São Paulo, quarta, 27 de maio de 1998

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O euro e o BCE

ANTONIO DELFIM NETTO

O euro, a nova moeda européia, entrará em vigor em 1º de janeiro de 1999. Dado o volume de transações comerciais e financeiras realizadas pelos parceiros da Comunidade, é muito provável que o euro se transforme lentamente numa opção do dólar como moeda "reserva". Hoje a moeda americana é usada como unidade de conta em mais de 80% de todas as transações internacionais.
Um euro respeitado e confiável aumentará a simetria do mercado internacional. Reduzirá a possibilidade de os EUA continuarem a se liberar facilmente da restrição externa e que já os transformou no maior devedor do mundo. Os recentes eventos nos EUA e Europa liquidaram com a teoria dos "déficits gêmeos", tão a gosto dos nossos "nouveaux économistes", que continuam a afirmar que nosso déficit em conta corrente é produzido pelo déficit fiscal. O déficit fiscal americano praticamente terminou, e o seu déficit em conta corrente nunca foi tão elevado, aumentando o nível de consumo e investimento dos EUA. Um euro forte e crível vai exigir que a política econômica dos EUA, como a de todos os seus parceiros, leve em conta a restrição externa. A razão é simples. A continuação do enorme endividamento americano pode, em algum momento, levantar dúvidas sobre o valor do dólar. Se existir uma moeda reserva alternativa (como existia o ouro antes que o presidente Nixon eliminasse a paridade ouro-dólar, em 1973), essas dúvidas poderão ter consequência: transferem-se reservas do dólar para o euro, o que exigiria uma resposta da política econômica americana. Exatamente como hoje são forçadas a fazer todas as economias do mundo, com exceção da americana.
A credibilidade do euro depende, entretanto, do comportamento do Banco Central Europeu (BCE). Desse ponto de vista a confusão armada em Bruxelas na reunião dos dias 2 e 3 de maio para a escolha do seu presidente não parece ter sido um início muito promissor para a nova instituição. Os alemães (que sediarão o BCE) e praticamente todos os outros parceiros desejavam que o novo presidente fosse o sr. Win Duisenberg, antigo presidente do Banco Central da Holanda e respeitado "falcão" monetário. O presidente francês Jacques Chirac, que se encontra internamente numa situação política delicada, aproveitou a oportunidade para aumentar ainda mais a sua pressão e exigir a presidência do BCE para Jean-Claude Trichet, presidente do Banco da França e também um "falcão" conhecido.
A solução para o problema foi tipicamente política: a presidência do BCE foi dividida em dois períodos. O primeiro será ocupado pelo sr. Duisenberg, que renunciará em quatro anos e será substituído pelo sr. Trichet, que, então, será eleito para um período de oito anos. Todos ficaram mal com essa acomodação. O primeiro-ministro holandês, Win Kok, está sendo duramente criticado internamente por ter cedido. O sr. Kohl, na iminência de perder a eleição, quebrou mais uma vez a famosa independência do Bundlsbank, que se pronunciara, por escrito, contra aquela solução. O sr. Chirac levou um prêmio de consolação. Tanto Duisenberg como Trichet são excelentes profissionais, mas a imagem de independência política do BCE (necessária à sua credibilidade) vai ter ainda de ser construída.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.



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