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O euro e o BCE
ANTONIO DELFIM NETTO
O euro, a nova moeda européia, entrará em vigor em 1º de janeiro de
1999. Dado o volume de transações
comerciais e financeiras realizadas pelos parceiros da Comunidade, é muito
provável que o euro se transforme
lentamente numa opção do dólar como moeda "reserva". Hoje a moeda
americana é usada como unidade de
conta em mais de 80% de todas as
transações internacionais.
Um euro respeitado e confiável aumentará a simetria do mercado internacional. Reduzirá a possibilidade de
os EUA continuarem a se liberar facilmente da restrição externa e que já os
transformou no maior devedor do
mundo. Os recentes eventos nos EUA
e Europa liquidaram com a teoria dos
"déficits gêmeos", tão a gosto dos
nossos "nouveaux économistes",
que continuam a afirmar que nosso
déficit em conta corrente é produzido
pelo déficit fiscal. O déficit fiscal americano praticamente terminou, e o seu
déficit em conta corrente nunca foi
tão elevado, aumentando o nível de
consumo e investimento dos EUA.
Um euro forte e crível vai exigir que a
política econômica dos EUA, como a
de todos os seus parceiros, leve em
conta a restrição externa. A razão é
simples. A continuação do enorme
endividamento americano pode, em
algum momento, levantar dúvidas sobre o valor do dólar. Se existir uma
moeda reserva alternativa (como existia o ouro antes que o presidente Nixon eliminasse a paridade ouro-dólar,
em 1973), essas dúvidas poderão ter
consequência: transferem-se reservas
do dólar para o euro, o que exigiria
uma resposta da política econômica
americana. Exatamente como hoje são
forçadas a fazer todas as economias
do mundo, com exceção da americana.
A credibilidade do euro depende,
entretanto, do comportamento do
Banco Central Europeu (BCE). Desse
ponto de vista a confusão armada em
Bruxelas na reunião dos dias 2 e 3 de
maio para a escolha do seu presidente
não parece ter sido um início muito
promissor para a nova instituição. Os
alemães (que sediarão o BCE) e praticamente todos os outros parceiros desejavam que o novo presidente fosse o
sr. Win Duisenberg, antigo presidente
do Banco Central da Holanda e respeitado "falcão" monetário. O presidente francês Jacques Chirac, que se
encontra internamente numa situação
política delicada, aproveitou a oportunidade para aumentar ainda mais a
sua pressão e exigir a presidência do
BCE para Jean-Claude Trichet, presidente do Banco da França e também
um "falcão" conhecido.
A solução para o problema foi tipicamente política: a presidência do
BCE foi dividida em dois períodos. O
primeiro será ocupado pelo sr. Duisenberg, que renunciará em quatro
anos e será substituído pelo sr. Trichet, que, então, será eleito para um
período de oito anos. Todos ficaram
mal com essa acomodação. O primeiro-ministro holandês, Win Kok, está
sendo duramente criticado internamente por ter cedido. O sr. Kohl, na
iminência de perder a eleição, quebrou mais uma vez a famosa independência do Bundlsbank, que se pronunciara, por escrito, contra aquela
solução. O sr. Chirac levou um prêmio
de consolação. Tanto Duisenberg como Trichet são excelentes profissionais, mas a imagem de independência
política do BCE (necessária à sua credibilidade) vai ter ainda de ser construída.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta
coluna.
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