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Tempo de ameaças
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Presidente da República, ministros, governadores, prefeitos, líderes do empresariado e parte
numerosa da mídia estão repetindo os
mesmos argumentos e fazendo as mesmas advertências do regime autoritário de 64: o movimento dos sem-terra,
sem-água, sem-comida, sem-emprego,
sem-saúde, sem-educação e sem-casa
está ameaçando a democracia do Brasil.
Semana passada, vi pela TV a cara
patética do ministro da Justiça lamentando que maus brasileiros e cruéis
demagogos estivessem ludibriando as
massas ordeiras de nordestinos que
desejam paz e ordem. Segundo o ministro, elas estão sendo coagidas aos
saques e às manifestações de protesto.
Com as mesmas palavras e com a
mesma cara preocupada (às vezes
alarmada), o presidente da República
faz a mesmíssima descoberta: cobrar
do governo o mínimo de decência humana é subversão, atentado aos ideais
democráticos que norteiam nossas autoridades.
Ouvimos esse blablablá, durante os
21 anos do regime autoritário, toda
vez que pedíamos liberdade e justiça
social -que também constituem o
mínimo de nossa decência moral.
Tão ameaçada, tão frágil, tão mal
compreendida -são essas as palavras
que FHC usa quando fala sobre o tema-, a democracia neoliberal é a
donzela que não pode ser molestada
pelos adversários da situação. Para o
governo, a mesma donzela é a marafona a serviço do status quo, dando-lhe tudo.
Essa mesma lengalenga do poder
justificou todos os regimes de força da
história. E hoje atravessamos um regime de força especial, sem a formalidade da ditadura, mas com o mesmo espírito totalitário: o povo, a multidão
dos excluídos não deve nem pode fazer
marola, bagunçar o coreto do poder,
perturbar a tranquilidade das classes
dominantes da sociedade.
Considerando qualquer reivindicação um tipo de ameaça à democracia,
o governo ameaça com o quê? Justamente com o fim da democracia.
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