São Paulo, quarta, 27 de maio de 1998

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Tempo de ameaças

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Presidente da República, ministros, governadores, prefeitos, líderes do empresariado e parte numerosa da mídia estão repetindo os mesmos argumentos e fazendo as mesmas advertências do regime autoritário de 64: o movimento dos sem-terra, sem-água, sem-comida, sem-emprego, sem-saúde, sem-educação e sem-casa está ameaçando a democracia do Brasil.
Semana passada, vi pela TV a cara patética do ministro da Justiça lamentando que maus brasileiros e cruéis demagogos estivessem ludibriando as massas ordeiras de nordestinos que desejam paz e ordem. Segundo o ministro, elas estão sendo coagidas aos saques e às manifestações de protesto.
Com as mesmas palavras e com a mesma cara preocupada (às vezes alarmada), o presidente da República faz a mesmíssima descoberta: cobrar do governo o mínimo de decência humana é subversão, atentado aos ideais democráticos que norteiam nossas autoridades.
Ouvimos esse blablablá, durante os 21 anos do regime autoritário, toda vez que pedíamos liberdade e justiça social -que também constituem o mínimo de nossa decência moral.
Tão ameaçada, tão frágil, tão mal compreendida -são essas as palavras que FHC usa quando fala sobre o tema-, a democracia neoliberal é a donzela que não pode ser molestada pelos adversários da situação. Para o governo, a mesma donzela é a marafona a serviço do status quo, dando-lhe tudo.
Essa mesma lengalenga do poder justificou todos os regimes de força da história. E hoje atravessamos um regime de força especial, sem a formalidade da ditadura, mas com o mesmo espírito totalitário: o povo, a multidão dos excluídos não deve nem pode fazer marola, bagunçar o coreto do poder, perturbar a tranquilidade das classes dominantes da sociedade.
Considerando qualquer reivindicação um tipo de ameaça à democracia, o governo ameaça com o quê? Justamente com o fim da democracia.



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