São Paulo, Domingo, 27 de Junho de 1999
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Os jovens e a zona de risco

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES
A polêmica sobre o fechamento dos bares à 1h deve render ainda uma longa quilometragem.
Já vi as manifestações dos boêmios que se consideram usurpados na sua liberdade de praticar o ócio e o lazer noturnos. Argumentam terem levado anos e anos para formar um hábito que, de repente, 38 vereadores quererem subverter...
Não tenho nada contra os amantes da noite. Questiono, porém, o seu direito de querer barrar uma medida que, no geral, visa proteger o restante da sociedade.
No mundo inteiro a maioria dos crimes ocorre em conexão com o uso indevido do álcool em bares durante a noite. Li há pouco tempo uma pesquisa muito rigorosa baseada em uma amostra de quase 6.000 jovens, demonstrando que a incidência do crime aumenta entre 1) os que passam a maior parte do tempo "sem fazer nada", na ausência de supervisão adequada (pais, parentes, professores etc.); 2) os que ficam expostos na noite por períodos prolongados em ambientes onde há uma "audiência" instigadora de desvios de comportamento (bares, lanchonetes, bailes etc.); 3) os que, ao mesmo tempo, usam drogas (inclusive bebidas alcoólicas) e dirigem perigosamente (D. Wayne Osgood e outros, "Routine Activities and Individual Deviant Behavior", 1996).
Quando se leva em conta a necessidade de atacar o grande complexo de fatores que determinam o crime, a lei aprovada teria de ser mais ampla, especialmente em São Paulo, onde a criminalidade entre os jovens é 50% superior à de Nova York.
Para começar, 1h é um horário demasiadamente generoso. Nas cidades civilizadas do mundo, vejam o caso de Londres, os bares fecham às 23h.
Além disso, a lei municipal se aplica apenas aos bares que 1) funcionam de portas abertas; 2) não têm isolamento acústico; 3) não possuem estacionamento; 4) não dispõem de segurança; e 5) atrapalham a vizinhança.
São tantos os condicionantes que chego a pensar que o novo dispositivo foi feito como um convite ao jeitinho brasileiro. Não me surpreenderei se alguns frequentadores dos bares de calçada venham a fazer uma "vaquinha" para comprar e instalar um jogo de batentes de peroba e uma porta mexicana do tipo vai-e-vem nos "oráculos" onde nutrem o uso do álcool, deixando por conta do proprietário as demais providências, em especial o aluguel do terreno baldio, para servir de estacionamento.
Não há dúvida de que o projeto aprovado foi um passo necessário na direção certa. Daqui para a frente, convém monitorar com cuidado as estatísticas da violência na cidade.
É evidente que a criminalidade não baixará de modo drástico e imediato só por causa da nova lei. Mas o afastamento dos fatores precipitadores, como o fácil acesso ao álcool durante a noite, é importante.
Mais importante ainda será a ampliação da lei nos próximos anos e a deflagração imediata de um trabalho pedagógico contínuo para tirar os jovens das zonas de risco durante a noite.


Antonio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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