|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Os jovens e a
zona de risco
ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES
A polêmica sobre o fechamento dos
bares à 1h deve render ainda uma longa quilometragem.
Já vi as manifestações dos boêmios
que se consideram usurpados na sua
liberdade de praticar o ócio e o lazer
noturnos. Argumentam terem levado
anos e anos para formar um hábito
que, de repente, 38 vereadores quererem subverter...
Não tenho nada contra os amantes
da noite. Questiono, porém, o seu direito de querer barrar uma medida
que, no geral, visa proteger o restante
da sociedade.
No mundo inteiro a maioria dos crimes ocorre em conexão com o uso indevido do álcool em bares durante a
noite. Li há pouco tempo uma pesquisa muito rigorosa baseada em uma
amostra de quase 6.000 jovens, demonstrando que a incidência do crime aumenta entre 1) os que passam a
maior parte do tempo "sem fazer nada", na ausência de supervisão adequada (pais, parentes, professores
etc.); 2) os que ficam expostos na noite por períodos prolongados em ambientes onde há uma "audiência"
instigadora de desvios de comportamento (bares, lanchonetes, bailes
etc.); 3) os que, ao mesmo tempo,
usam drogas (inclusive bebidas alcoólicas) e dirigem perigosamente (D.
Wayne Osgood e outros, "Routine
Activities and Individual Deviant Behavior", 1996).
Quando se leva em conta a necessidade de atacar o grande complexo de
fatores que determinam o crime, a lei
aprovada teria de ser mais ampla, especialmente em São Paulo, onde a criminalidade entre os jovens é 50% superior à de Nova York.
Para começar, 1h é um horário demasiadamente generoso. Nas cidades
civilizadas do mundo, vejam o caso de
Londres, os bares fecham às 23h.
Além disso, a lei municipal se aplica
apenas aos bares que 1) funcionam de
portas abertas; 2) não têm isolamento
acústico; 3) não possuem estacionamento; 4) não dispõem de segurança;
e 5) atrapalham a vizinhança.
São tantos os condicionantes que
chego a pensar que o novo dispositivo
foi feito como um convite ao jeitinho
brasileiro. Não me surpreenderei se
alguns frequentadores dos bares de
calçada venham a fazer uma "vaquinha" para comprar e instalar um jogo
de batentes de peroba e uma porta
mexicana do tipo vai-e-vem nos
"oráculos" onde nutrem o uso do álcool, deixando por conta do proprietário as demais providências, em especial o aluguel do terreno baldio, para servir de estacionamento.
Não há dúvida de que o projeto
aprovado foi um passo necessário na
direção certa. Daqui para a frente,
convém monitorar com cuidado as
estatísticas da violência na cidade.
É evidente que a criminalidade não
baixará de modo drástico e imediato
só por causa da nova lei. Mas o afastamento dos fatores precipitadores, como o fácil acesso ao álcool durante a
noite, é importante.
Mais importante ainda será a ampliação da lei nos próximos anos e a
deflagração imediata de um trabalho
pedagógico contínuo para tirar os jovens das zonas de risco durante a noite.
Antonio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.
Texto Anterior: Carlos Heitor Cony: O mangue e o Banespa Próximo Texto: Tendências e debates: Cúpula do Rio, vitória antecipada Índice
|