São Paulo, Domingo, 27 de Junho de 1999
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Cúpula do Rio, vitória antecipada



A relação entre América Latina, Caribe e UE tem um potencial que ainda estamos longe de realizar plenamente
LUIZ FELIPE LAMPREIA
Centenas de pessoas estão mobilizadas neste domingo para assegurar o êxito da reunião de chefes de Estado e de governo da América Latina, do Caribe e da União Européia, que ocorre amanhã e na terça no Rio de Janeiro. Tal como aconteceu na Rio-92, mais uma vez, o Brasil deve orgulhar-se de sediar e organizar um evento que vai atrair para nós as atenções do mundo.
Nossos meios de comunicação deverão mostrar e explicar aos brasileiros os diversos aspectos desse encontro. Para a maioria, talvez fique a impressão de que se trata de algo que começou hoje e termina na quarta-feira. Afinal, na cúpula, que tem o apelido oficial de Cimeira, a designação portuguesa não foi objeto de maior destaque nas últimas semanas e certamente deixará em poucos dias os noticiários de televisão e as páginas dos jornais.
Mas basta parar e pensar um pouco para compreender a importância histórica do que estaremos vivendo nas próximas horas. Comecemos pelo fato básico: são, ao todo, 48 países -representados, quase todos, por seus dirigentes máximos-, 33 das Américas e os 15 membros da UE (União Européia). Quer dizer, mais de um quarto das nações do mundo e, em termos econômicos, mais de um terço do PIB global. A União Européia, vale lembrar, é a maior economia do planeta.
No que se refere ao Brasil, menciono apenas dois dados essenciais: a UE é o principal mercado para nossas exportações e a maior fonte de investimentos estrangeiros. Esses, sim, são elementos com os quais a nossa sociedade tem maior intimidade, pois diariamente nos é recordada a necessidade imperiosa de exportarmos mais e de recebermos mais investimentos do exterior. Trata-se, em última instância, de vencer o desafio de criar empregos, elevar o nível de renda e melhorar a qualidade de vida de nosso povo.
Essa é, obviamente, uma via de mão dupla. Os governantes latino-americanos, caribenhos e europeus vêm ao Rio com o mesmo propósito: fazer com que as relações entre os dois continentes possam servir melhor ao objetivo de aumentar o grau de bem-estar de suas populações. Para tanto, partimos do consenso de que não se trata de um jogo no qual o ganho de um signifique necessariamente a perda do outro.
Ao contrário, é possível e desejável beneficiar de forma equilibrada todos os parceiros envolvidos. A relação entre a América Latina e o Caribe de um lado e a União Européia de outro, seja no terreno comercial e financeiro, seja em áreas como o intercâmbio educacional, tecnológico e cultural, tem um potencial que ainda estamos longe de realizar plenamente. Todas as 48 nações das Américas e da UE têm muito a ganhar com isso, desde que as negociações entre nós obedeçam sempre ao imperativo de gerar resultados balanceados e mutuamente vantajosos.
E por que temos tanto chão a percorrer? Porque, ao longo das décadas mais recentes, diversos fatores -entre eles, a prioridade conferida pela Europa à sua própria integração regional e à imensa obra de reaproximação entre Leste e Oeste que se impôs com a queda do Muro de Berlim- fizeram com que, de ambos os lados do Atlântico, não se tenha mobilizado a energia necessária para que o nosso relacionamento se desenvolvesse como poderia e deveria.
Agora, o próprio fato de que os governantes das Américas e da Europa tenham decidido reunir-se pela primeira vez na história de dois continentes profundamente ligados há cinco séculos é uma demonstração evidente de que existe vontade política para avançar.
Assim, antes mesmo de começar, a cúpula é um sucesso em si mesma, pelo simples fato de acontecer. Até porque não é nada simples reunir quase meia centena de presidentes e primeiros-ministros, separados por milhares de quilômetros, imensas responsabilidades e agendas carregadas. Quero testemunhar que, nas últimas semanas, mesmo sem saber quando se encerrariam as operações militares em Kosovo, em nenhum momento os dirigentes europeus manifestaram dúvida sobre sua participação na reunião do Rio.
Para o Brasil e para nossos parceiros do Mercosul, a cúpula tem um significado adicional e muito concreto. Não tenho dúvida de que a iminência da reunião foi a origem do impulso político que faltava para o lançamento de negociações de liberalização comercial entre nosso agrupamento e a União Européia. Essas negociações serão absolutamente essenciais para que nosso relacionamento com a economia internacional continue a fazer-se de modo diversificado e equilibrado, sem que processos como a criação da Alca nos levem ao caminho indesejável de um relacionamento excessivamente concentrado numa única região do globo.
Nesta terra do futebol, sabemos bem que manhã de domingo não é hora de comemorações antecipadas. No caso da reunião de cúpula do Rio, porém, e embora o presidente Jacques Chirac aqui esteja representando os atuais campeões do mundo, já podemos celebrar uma vitória que é de todos: latino-americanos, caribenhos e europeus.
Luiz Felipe Lampreia, 57, embaixador, é ministro das Relações Exteriores do Brasil. Foi representante permanente do país nos organismos internacionais sediados em Genebra (Suíça) e embaixador em Lisboa (Portugal).


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