São Paulo, quinta-feira, 27 de julho de 2000


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Privatização, faixa cidadão


Só propaganda do uso do FGTS não basta, é preciso incutir nova mentalidade de participação no capital social do nosso país


PAULO PEREIRA DA SILVA

O governo descobriu a privatização popular. Uma insistência nossa, desde o início da década de 90, a privatização acessível a uma ampla faixa de cidadãos brasileiros nunca saiu do plano das nossas reivindicações até agora, com a oferta pública de ações da Petrobras para compra direta ou compra com utilização de até 50% do saldo do FGTS do trabalhador.
A iniciativa é um marco, uma virada no modo de remunerar os depósitos do FGTS do brasileiro assalariado. Até hoje, o FGTS é o que rende menos, com apenas 3% anuais sobre a TR. Na terra dos juros altos, o governo maltrata a remuneração do trabalhador: ao longo dos últimos 30 anos, calcula-se que o fundo tenha perdido perto de R$ 100 bilhões em juros não recebidos!
Agora surge a opção de aplicar o FGTS na oferta pública das ações da Petrobras. Percorrendo o chão das fábricas e recebendo indagações de milhares de trabalhadores nos sindicatos, por telefone e por correio eletrônico, a pergunta mais repetida é: "Qual é a jogada do governo desta vez?".
É preciso bastante saliva e até o depoimento pessoal de quem, como eu, acaba de aplicar também metade do seu próprio FGTS nesse novo fundo de investimentos para despertar a chama da confiança e do otimismo no ressabiado cidadão-trabalhador.
A experiência que temos tido é, de fato, de grande dificuldade de convencimento, por diversos motivos. O principal é esse mesmo: o governo, e não necessariamente a presente administração federal, tem uma ficha complicada na cabeça do trabalhador. Além do mais, o uso do FGTS em investimentos é, em si mesmo, uma operação complexa, porque envolve riscos possíveis de perdas nas aplicações na Petrobras, que não podem ser escamoteadas.
Em terceiro lugar, o tempo. Os organizadores do leilão acharam que o espaço de três semanas estava apropriado para organizar a comunicação e estabelecer a persuasão do trabalhador, além de obter dele a adesão final e processar a entrega de milhões de solicitações do Fundo FGTS-Petrobras. Em outras privatizações convencionais, o prazo mínimo entre o edital da venda e a data do leilão tem sido de dois meses. As grandes empresas e fundos de pensão participantes de leilões de privatização têm tido, pelo menos, o triplo do tempo dado aos trabalhadores.
Para mobilizar o grande público, o governo nos deu três semanas, e mal contadas. Várias decisões -inclusive sobre o preço máximo de venda da ação- só saíram na última hora.
Tudo indica que a primeira privatização popular do governo poderá resultar em números fracos de adesão, embora estejamos convencidos de que a opção pela Petrobras seja vantajosa, no médio prazo e no longo, em vista dos 3% que são a remuneração atual do FGTS.
O governo precisa melhorar muito o lado da demanda nas suas ofertas de privatização. É preciso trabalhar mais e dar tempo suficiente para consolidar o conceito de poupança de longo prazo na cabeça do trabalhador. O governo, neste caso, não organizou bem o lado dos que querem comprar. Parecia estar mais preocupado com a futura venda que fará das ações em Nova York.
Não basta fazer propaganda do uso do FGTS. É preciso incutir uma nova mentalidade de participação no capital social do país. A parte do leão do FGTS, que ficará na Caixa, precisa mudar, adquirir rentabilidade como a do mercado, mesmo correndo riscos moderados.
Já se fala em pulverizar a venda de Furnas. Antes é preciso preparar melhor o espírito do futuro investidor, amainar suas dúvidas sobre as reais intenções do próprio governo, organizar a comunicação, dar o devido tempo, sem atropelos de última hora, para esperar, então, melhores resultados.
Como diria o velho Garrincha, "é preciso, antes, combinar tudo com o time adversário".


Paulo Pereira da Silva, 42, é presidente da Força Sindical e do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.



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