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São Paulo, domingo, 27 de julho de 2003

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ELIANE CANTANHÊDE

A cada dia sua agonia

BRASÍLIA - Dizem o bom senso, a prudência, a política e a história que não se devem abrir muitos flancos ao mesmo tempo. Um inimigo de cada vez, um alvo também. Mas não é isso que vem ocorrendo com o governo Lula, que amontoa adversários e problemas semana após semana.
A reforma tributária entalou na garganta dos governadores. A da Previdência abriu a possibilidade da primeira greve de juízes da história. A Lei de Falências reapareceu no Congresso toda alterada.
Mas isso não é nada, faz parte da rotina de governos. O que preocupa não é Brasília, que muitos chamam de "ilha da fantasia". É Rio, São Paulo, Sergipe, Minas e tudo o que se convencionou considerar "país real".
É aí, nesse inquieto país real, que o MST e difusos movimentos dos sem-teto invadem, ocupam prédios e pátios, bloqueiam rodovias. E deixam como rastro a suspeita de que, se o PT evoluiu para o estágio reformista, disputando e ganhando eleições, a dissidência revolucionária sobreviveu e está forte, ativa.
Para emoldurar o quadro, a decisão de uma juíza federal do DF determinando a abertura de todos os documentos sigilosos do Exército sobre a guerrilha do Araguaia. Se os militares foram poupados da batalha da reforma da Previdência, agora estão sendo jogados na guerra da história.
E isso, claro, é tudo o que o governo petista não quer. Com tantos flancos e tantos inimigos tão precocemente, é melhor não mexer com os militares. Quanto mais quietos, melhor para todos. Inclusive para eles.
Palocci sentou na economia e resistiu a tudo e a todos na disposição de garantir o básico: estabilidade. Mas, na política, muitas vezes isso escapa ao controle e aos manuais, ganha vida própria e chega às ruas.
A elite produtiva pode até fazer muxoxo por causa da política econômica ortodoxa, mas não é problema. O problema de Lula está onde sempre esteve, desde o primeiro dia de governo: nas próprias bases e nos próprios aliados tradicionais do PT. É aí que mora o perigo: a instabilidade.


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