São Paulo, terça-feira, 27 de agosto de 2002

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Descobertas de campanha

Para quem dela participe com espírito de aprendiz, a campanha eleitoral em curso serve como lição de Brasil e como lição de vida mais do que como lição de política. Perdoem-me os leitores por compartilhar com eles algo do que venho aprendendo.
Em primeiro lugar, a campanha me está ensinando que quase todos nós que participamos da vida pública tendemos a exagerar o poder dos interesses contrariados e a subestimar os efeitos da confusão intelectual. Há no Brasil, como em boa parte do mundo, um desejo sincero e generalizado de desbravar um caminho que seja ao mesmo tempo produtivista e social e que faça do experimentalismo construtivo o traço marcante da experiência quotidiana. Na política de todos os países, ricos ou pobres, muitos querem ser Roosevelt. Não sabem como. É nesse ambiente de desorientação que os interesses organizados deitam e rolam.
Em segundo lugar, a campanha mostra como o esclarecimento pode surgir de repente, no meio da confusão. Há muitos anos estudo os problemas brasileiros à luz da experiência de outros países. Só agora, porém, vejo com clareza o que muitos dos meus concidadãos também estão descobrindo, no calor do conflito eleitoral. A reorientação que buscamos passa pela reconciliação de duas agendas: uma, cheia de sacrifícios, de reafirmação do realismo fiscal; a outra, cheia de esperanças, de ampliação do acesso às oportunidades para aprender, trabalha e produzir. Não é correto supor que o realismo fiscal seja preocupação de curto prazo e a retomada do crescimento, acompanhada de democratização das oportunidades educativas e econômicas, obra de longo prazo. Precisam ser iniciadas simultaneamente. O país só aceitará sacrificar-se se sentir que o sacrifício será legitimado pela ampliação do acesso às oportunidades. Desse princípio, cada vez mais reconhecido por todas as classes sociais, virá o ponto de partida para a nova estratégia nacional que nascerá das eleições de outubro.
Em terceiro lugar, a experiência da campanha revela a rapidez com que o relacionamento direto pode destroçar os preconceitos. O Brasil que encontro nesta campanha é caldeirão de energia e de engenho. Entretanto, os colaboradores potenciais na formulação e na execução do projeto que o país procura se deixam cegar pelas imagens falsas que acalentam uns a respeito dos outros. Imaginei-me relativamente imune a essa cegueira, mas não estava. Surpreendi-me ao encontrar entre nossos grandes empresários alguns dos aliados intelectuais e políticos mais clarividentes e criativos no esforço não apenas de retomar mas também de democratizar o desenvolvimento brasileiro. O Brasil está à beira de poder tornar-se um país de verdade, capaz de trazer luz e alento à humanidade. Para isso, porém, precisa tanto de reconciliação generosa quanto de idéia clara.
Em quarto lugar, a vivência da campanha me mostrou que nenhum de nós pode cumprir tarefa transformadora sem transformar-se a si mesmo. Descobri antes tarde do que nunca que não posso fazer o que preciso fazer sem tentar mudar meu jeito de ser. É mais fácil mudar um país do que mudar uma pessoa. A autotransformação acontece devagar e custa caro. Traz, contudo, vida e força. É, ao mesmo tempo, sacrifício e libertação. Ter de mudar para ser fiel a si mesmo é uma das melhores razões para entregar-se a uma grande luta. Todo o Brasil intuitivamente o compreende.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.idj.org.br


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