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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Descobertas de campanha
Para quem dela participe com espírito de aprendiz, a campanha
eleitoral em curso serve como lição de
Brasil e como lição de vida mais do
que como lição de política. Perdoem-me os leitores por compartilhar com
eles algo do que venho aprendendo.
Em primeiro lugar, a campanha me
está ensinando que quase todos nós
que participamos da vida pública tendemos a exagerar o poder dos interesses contrariados e a subestimar os
efeitos da confusão intelectual. Há no
Brasil, como em boa parte do mundo,
um desejo sincero e generalizado de
desbravar um caminho que seja ao
mesmo tempo produtivista e social e
que faça do experimentalismo construtivo o traço marcante da experiência quotidiana. Na política de todos os
países, ricos ou pobres, muitos querem ser Roosevelt. Não sabem como.
É nesse ambiente de desorientação
que os interesses organizados deitam
e rolam.
Em segundo lugar, a campanha
mostra como o esclarecimento pode
surgir de repente, no meio da confusão. Há muitos anos estudo os problemas brasileiros à luz da experiência de
outros países. Só agora, porém, vejo
com clareza o que muitos dos meus
concidadãos também estão descobrindo, no calor do conflito eleitoral.
A reorientação que buscamos passa
pela reconciliação de duas agendas:
uma, cheia de sacrifícios, de reafirmação do realismo fiscal; a outra, cheia de
esperanças, de ampliação do acesso às
oportunidades para aprender, trabalha e produzir. Não é correto supor
que o realismo fiscal seja preocupação
de curto prazo e a retomada do crescimento, acompanhada de democratização das oportunidades educativas e
econômicas, obra de longo prazo. Precisam ser iniciadas simultaneamente.
O país só aceitará sacrificar-se se sentir que o sacrifício será legitimado pela
ampliação do acesso às oportunidades. Desse princípio, cada vez mais reconhecido por todas as classes sociais,
virá o ponto de partida para a nova estratégia nacional que nascerá das eleições de outubro.
Em terceiro lugar, a experiência da
campanha revela a rapidez com que o
relacionamento direto pode destroçar
os preconceitos. O Brasil que encontro
nesta campanha é caldeirão de energia
e de engenho. Entretanto, os colaboradores potenciais na formulação e na
execução do projeto que o país procura se deixam cegar pelas imagens falsas que acalentam uns a respeito dos
outros. Imaginei-me relativamente
imune a essa cegueira, mas não estava.
Surpreendi-me ao encontrar entre
nossos grandes empresários alguns
dos aliados intelectuais e políticos
mais clarividentes e criativos no esforço não apenas de retomar mas também de democratizar o desenvolvimento brasileiro. O Brasil está à beira
de poder tornar-se um país de verdade, capaz de trazer luz e alento à humanidade. Para isso, porém, precisa
tanto de reconciliação generosa quanto de idéia clara.
Em quarto lugar, a vivência da campanha me mostrou que nenhum de
nós pode cumprir tarefa transformadora sem transformar-se a si mesmo.
Descobri antes tarde do que nunca
que não posso fazer o que preciso fazer sem tentar mudar meu jeito de ser.
É mais fácil mudar um país do que
mudar uma pessoa. A autotransformação acontece devagar e custa caro.
Traz, contudo, vida e força. É, ao mesmo tempo, sacrifício e libertação. Ter
de mudar para ser fiel a si mesmo é
uma das melhores razões para entregar-se a uma grande luta. Todo o Brasil intuitivamente o compreende.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.idj.org.br
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