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São Paulo, quarta-feira, 27 de agosto de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A verdade sobre os bingos

LUIZ FERNANDO DELAZARI

Durante os anos em que atuei no Ministério Público do Paraná, tive a oportunidade de conhecer as entranhas de várias modalidades de crimes. Escolhi a Promotoria Pública como alicerce para a carreira porque sempre me indignei com o mau uso do dinheiro público e, principalmente, com a forma como alguns "empresários" brasileiros exploram a boa-fé das pessoas.
Poucos dias antes de assumir a cadeira de secretário da Segurança Pública do Paraná, eu e meus colegas de promotoria, com o apoio das polícias Civil e Militar e da Justiça estadual e com total amparo do governador Roberto Requião, fechamos as portas de todos os bingos do Estado, um total de 35 estabelecimentos, que estão sob a guarda da Justiça paranaense há mais de 90 dias.
De lá para cá, também apreendemos mais de 2.500 máquinas caça-níqueis, que nada mais são do que uma forma eletrônica de estimular a compulsividade de apostadores -a maioria pessoas humildes e aposentados à procura de um passatempo- e, literalmente, surrupiar o bolso alheio. Hoje, travamos uma batalha jurídica diária para vencer liminares impetradas por experientes advogados que, a todo custo, tentam reabrir as casas de jogos de azar.
Os bingos eletrônicos, disseminados pelo Brasil ao longo da última década, representam verdadeiros refúgios para a atuação de comerciantes inescrupulosos, policiais corruptos que fazem vistas grossas para a ilegalidade e até alimentam algumas redes de narcotraficantes. O que deveria ser um meio de propagação de lazer e, principalmente, um captador de recursos para injetar dinheiro no esporte infelizmente tornou-se uma fonte inesgotável de arrecadação ilegal. Por isso, estão proibidos em todo o país desde dezembro de 2002.



Em Curitiba foi criada uma associação que dá suporte às pessoas que se viciaram em bingos e máquinas caça-níqueis

No tempo de nossos bisavós, ouvia-se dizer que "as máquinas nunca perdem para o apostador", ou que "não existe dono de casas de jogos que tenha empobrecido por pagar tantos prêmios". Porém essas evidências não são suficientes para que a população enxergue o que há por trás dos bingos.
Ao contrário do que a megacampanha veiculada pela Associação Brasileira dos Bingos procura propagar na mídia nacional, os bingos não são "empresas" multiplicadoras de empregos. Na verdade, o número de famílias destruídas em decorrência da dependência do jogo supera, e muito, os poucos postos de trabalho gerados pelos bingos.
A situação é tão grave que, em Curitiba, foi criada uma associação, nos mesmos moldes dos Alcoólicos Anônimos, que dá suporte às pessoas que se viciaram em bingos e máquinas caça-níqueis. Um caso emblemático, constatado no início deste ano, foi o de uma senhora cujo marido morava no Japão para acumular patrimônio e retornar em breve ao Brasil. Viciada em bingos, gastou todo o dinheiro com o jogo ao longo de meses. Às vésperas da volta do marido, ela cometeu suicídio para não enfrentar a terrível situação de lhe contar a verdade. Assim como este, há centenas de outros casos em que famílias foram à bancarrota.
A seriedade com que esse problema nacional deve ser encarado estimulou o Ambulatório do Jogo Patológico, da Universidade de São Paulo, a se dedicar exclusivamente ao tema. Entre outras conclusões, os pesquisadores descobriram que, a partir do boom das casas de bingo, em 1998, o número de pessoas compulsivas por jogos cresceu mais de cinco vezes na cidade de São Paulo -sendo os bingos e máquinas caça-níqueis responsáveis por nada menos do que 78% desse incremento.
No universo pesquisado, 17 % dos entrevistados confessaram ser dependentes das máquinas caça-níqueis e de videopôquer. Pior: 14% dos dependentes já pensaram em suicídio mais de uma vez.
Com tantas comprovações, esperamos que o exemplo dado pelo Paraná possa ser seguido pelos demais Estados da Federação.

Luiz Fernando Delazari, 32, é secretário da Segurança Pública do Paraná.


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