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São Paulo, quarta-feira, 27 de agosto de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Marca no botijão: direito do consumidor

LAURO MARCOS MUNIZ BARRETTO COTTA

Existe um lobby forte e organizado tentando induzir o governo e a sociedade a crerem que a defesa da marca corresponde à defesa de privilégios. Um exemplo desse tipo de pressão foi o artigo publicado na Folha do dia 12/8, com um título oportunista, "Liberdade para o gás de cozinha" (Pág. A3, "Tendências/Debates"). O texto reúne afirmações inverídicas e argumentos equivocados. Tentando se aproveitar de uma preocupação legítima do presidente da República e de toda a sociedade -a redução do preço do gás de cozinha-, os autores do citado artigo procuram ignorar o fato de que o respeito à marca é um direito do consumidor e sua preservação, uma obrigação do Estado.
A marca representa o compromisso da empresa, como um fator de garantia e segurança em favor do consumidor. Em caso de acidente, a presença da marca no produto permite que a empresa distribuidora responda legalmente por qualquer dano ao usuário.
Nada mais seguro, inviolável, prático e econômico do que a marca gravada em alto relevo no próprio botijão. Esse vínculo, por si só, obriga a empresa a manter em perfeito estado os recipientes que levam sua marca impressa. A proposta alternativa, que consiste na criação de um selo supostamente indestrutível e à prova de fogo como forma de identificação da empresa engarrafadora do gás, não resolveria nenhum problema e criaria outros.
Em primeiro lugar, porque seria um novo complicador para o sistema de fiscalização existente no país. Mesmo com uma estrutura dez vezes maior do que a atual (e com os custos que isso acarretaria), considerando que existem 90 milhões de botijões em circulação no país e que cada botijão retorna a uma base de enchimento no mínimo seis vezes por ano, como fiscalizar se a empresa envasadora está realmente colocando o selo em cada botijão toda vez que o envasa?
O selo implicaria três custos adicionais: a produção do próprio selo, sua colocação no botijão e sua fiscalização. A soma desses custos seria muito superior ao custo atual do sistema de destroca de botijões. Neste momento, em que o governo está totalmente empenhado na redução de custos, essa idéia é inoportuna e prejudicial, além de ser incapaz de produzir o efeito propalado. Seria apenas um artifício para favorecer a pirataria.



O desemprego seria uma consequência negativa do fim da obrigatoriedade da marca nos botijões de GLP

A utilização do selo, substituindo a marca gravada, seria um desestímulo à manutenção dos botijões e à compra de novas unidades pelas empresas. Quem investiria num recipiente que poderia ser usado também por qualquer empresa concorrente? Isso reduziria fatalmente o nível de segurança de todo o sistema de distribuição de GLP alcançado após a implantação, em 1996, do código de auto-regulamentação do setor, que instituiu a obrigatoriedade da requalificação dos botijões existentes no país.
Nos últimos seis anos, as distribuidoras investiram mais de R$ 1 bilhão na requalificação de botijões. E mais: segundo dados da Polícia Militar do Estado de São Paulo, desde 1996 o número de acidentes com botijões diminuiu significativamente. E continua caindo.
O desemprego seria mais uma consequência negativa do fim da obrigatoriedade da marca nos botijões de GLP, pois o sistema atual propicia a geração de empregos diretos e indiretos nos centros de destroca e nas atividades de manutenção permanente, fabricação e sucateamento de botijões.
Talvez por todos esses motivos, ou apenas por sua inutilidade, o selo no botijão não tenha sido adotado em nenhum país do mundo.
É uma falácia dizer que a presença da marca nos recipientes encarece o produto em razão do esquema de destroca dos botijões entre as distribuidoras, pois o custo médio de operação de destroca não chega a R$ 0,12 por unidade. A Angás, que diz representar os interesses das pequenas distribuidoras, afirma que essas empresas são prejudicadas na destroca de botijões, chegando a insinuar que seus botijões são levados para longe e desaparecem. A verdade por trás dessa queixa é que as empresas que integram a Angás não investem adequadamente em botijões, por isso não conseguem atender a legislação vigente. Querem tocar seu negócio com os botijões comprados por outras empresas. E sustentam esse "direito" por meio de liminares. É mais cômodo e mais barato do que comprar seus próprios botijões.
Os argumentos tendenciosos, na linha Davi x Golias, distorcem a realidade. Há outras empresas pequenas que operam sem problemas, já que têm seus botijões próprios em quantidade suficiente e fazem a destroca regularmente.
O mercado de GLP no Brasil é aberto e o Sindigás, em conjunto com o governo, trabalhou muito para que essa abertura ocorresse de forma justa e equilibrada. São levianas as acusações de que as empresas distribuidoras compõem um cartel. E é também um grande equívoco a alegação de que, no mercado brasileiro de GLP, o número supostamente reduzido de empresas distribuidoras reduz o grau de competição no mercado. Existem 16 distribuidoras no país, sendo que as cinco maiores representam 89% do mercado. Em todo o mundo, a média é de quatro operadoras por país.
Cerca de 70% das despesas operacionais da distribuição de GLP correspondem a custos fixos. Quanto mais o mercado se fragmentar, maior será o peso dos custos fixos no preço final. A menos que haja a intenção desonesta de cortar investimentos e custos vitais para a segurança do consumidor.

Lauro Marcos Muniz Barretto Cotta, 51, engenheiro, é presidente do Sindigás (Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo).


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