São Paulo, sexta-feira, 27 de agosto de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Economia e política na eleição

LUIZ GUILHERME PIVA


O próximo presidente poderá atenuar as curvas em ascensão da economia, mas não poderá conviver com estagnação, recessão e exclusão


A economia tem papel central na eleição presidencial. Está na base da popularidade de Lula e do crescimento de sua candidata e permeia as dificuldades da oposição de encontrar discursos diferenciados do governista na gestão econômica -e que tenham, assim, maior apelo eleitoral.
Os números disponíveis mostram um quadro econômico muito positivo. Não chegam a configurar um país que as celebridades chamam de "Primeiro Mundo". Mas põem o Brasil num padrão bem melhor do que o de há alguns anos. Podem-se desfiar indicadores relativos a PIB, investimento, crédito, consumo, rendimentos, finanças públicas, condições sociais, emprego, educação, saúde, alimentação, habitação etc. No geral e no específico, os gráficos têm comportamento parecido: curva ascendente nos últimos anos.
Tal desempenho significa que está havendo geração de riqueza real e que parcelas dela vêm sendo apropriadas de forma menos desigual pelos atores. Para comparar: o período de crescimento intenso, dos anos 50 aos 70 (com fases distintas) marcou-se pela apropriação muito desigual da riqueza gerada.
Dos anos 80 em diante, sem crescimento (sem geração de riqueza), a inflação, alternada ou combinada com recessões, manteve a concentração funcionando.
A estabilidade monetária, de 1994, e a retomada do dinamismo econômico com distribuição de renda, desde 2004/2005, mudaram muito o desenho econômico e social do país. Contingentes enormes da população passaram a usufruir de padrões de vida e de consumo que antes, apesar de básicos, pareciam inatingíveis. Isso tem dimensões políticas fortes, a começar por aquela mencionada no primeiro parágrafo.
Mas a dimensão política mais profunda é que tais contingentes não abrirão mão desse novo patamar. Sua entrada em cena (ou seja, nos mercados de bens, serviços, valores e aspirações) tem marcas de aluvião: avoluma-se, transborda e se sedimenta -rápida e continuamente. Nos marcos democráticos de participação política, informação e organização que, no Brasil e no mundo, se multiplicaram nas décadas recentes, não serão decisões governamentais de ajuste econômico ou de acomodação política que lograrão afastar essas camadas de cena. Se isso for tentado -como se fez a cada momento em que a economia e/ou as elites pediram um ajuste concentrador ou de restrição política-, poderá custar caro ao governante.
Daí que o próximo presidente assumirá sob a circunstância de manter as curvas em ascensão. Poderá atenuá-las, mas não poderá, por intenção ou necessidade, conviver com estagnação, recessão e exclusão. A política (o aluvião) tem animado a economia. E esta, como eu dizia, tem papel central na eleição presidencial.

LUIZ GUILHERME PIVA, economista, doutor em ciência política pela USP, é diretor da LCA Consultores e autor dos livros "Ladrilhadores e Semeadores" (Editora 34) e "A Miséria da Economia e da Política" (Manole).


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