São Paulo, sexta-feira, 27 de setembro de 2002

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JOSÉ SARNEY

Eleição e paixão

Estamos chegando ao final de uma sucessão presidencial em que as idéias cedem lugar aos ataques pessoais e a uma superexposição dos pecados de personalidade. O marketing virou o centro do poder da eleição. Ele não é tudo, mas é a pauta que alimenta a militância política e condiciona o debate.
Temos a primeira sucessão em que a televisão supera todos os meios de comunicação de massa, constrói a opinião pública e determina o comportamento dos candidatos. Os jornais e revistas -os meios impressos- não lidam com a telemoção. A sensação é a TV, ela pode criar um pseudofato, o factóide, cuja leitura será feita de acordo com o "script" do espetáculo. Um supermercado pode estar abarrotado de mercadorias, mas, se a TV exibe apenas uma prateleira vazia, o telespectador pode, precipitadamente, concluir que há desabastecimento, que os gêneros estão escasseando. Esse é um exemplo clássico.
Na propaganda política, usam-se lentes de aumento. Parte-se de determinado objetivo e, nessa direção, constrói-se a novela, na qual o êxito está em superestimar o que se deseja passar ao povo: o vilão e o herói. O vilão, claro, é o adversário. O herói, o cliente. Na agenda desta eleição, não vêm predominando propostas dos concorrentes. Não é uma decisão só dos marqueteiros, mas a práxis política condenável de que o primeiro mandamento -construir o herói- tem resposta lenta e não oferece dividendos rápidos, enquanto o processo de desconstrução tem efeito imediato e arrasador. A fórmula do dossiê utilizada pelo tucanato mostra isso.
Na República Velha, Pinheiro Machado era tido como fazedor de presidentes. Hoje, essa tarefa cabe aos publicitários.
Outro aspecto é a crença, muito verdadeira, de que hoje governa a política o "tecnolítico eleitoral". Duas armas acompanham diariamente o imaginário coletivo: a pesquisa e o analista político, isto é, aquele que sabe ler as tendências, aquele que indica onde e como atacar, onde intervir. Aquilo que Cícero dizia no Senado romano sobre os conspiradores secretos que tinham o poder de apontar com o dedo quem iria morrer.
Outro aspecto desse processo eleitoral foi a destruição dos partidos, que já andavam tão combalidos. O Brasil sempre dosou a sobrevivência de suas instituições na fórmula difícil e realista do partido nacional em convivência superposta com o partido estadual. A verticalização foi um desserviço ao país. Ela acabou de destruir a frágil estrutura partidária, que recebia oxigênio das eleições -momento de coesão, que, hoje, é de fragmentação. A definição de partido político é a de um grupo de pressão que não deseja influenciar o poder, como os outros da sociedade, mas exercer o poder. Nesse quadro, os partidos são considerados, hoje, indispensáveis para ganhar a eleição, mas é impossível governar sem eles na democracia.
O processo sucessório que continua em marcha revela uma opinião pública empenhada em descobrir o próximo escândalo.
Num tempo bem mais ameno, Adolfo Bloch queixou-se a mim de que no Brasil nada acontecia. Perguntei-lhe: "Adolfo, com que capa você gostaria que sua revista ("Manchete") saísse?". E ele, sem titubear: "Ah, eu adoraria uma capa com a notícia de que o brigadeiro Eduardo Gomes se apaixonou pela Norma Bengell. A capa seria a foto dos dois abraçados".
Ah, tempos, em que a grande curiosidade era a descoberta de uma paixão...


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.



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