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JOSÉ SARNEY
Eleição e paixão
Estamos chegando ao final de
uma sucessão presidencial em
que as idéias cedem lugar aos ataques
pessoais e a uma superexposição dos
pecados de personalidade. O marketing virou o centro do poder da eleição. Ele não é tudo, mas é a pauta que
alimenta a militância política e condiciona o debate.
Temos a primeira sucessão em que a
televisão supera todos os meios de comunicação de massa, constrói a opinião pública e determina o comportamento dos candidatos. Os jornais e revistas -os meios impressos- não lidam com a telemoção. A sensação é a
TV, ela pode criar um pseudofato, o
factóide, cuja leitura será feita de acordo com o "script" do espetáculo. Um
supermercado pode estar abarrotado
de mercadorias, mas, se a TV exibe
apenas uma prateleira vazia, o telespectador pode, precipitadamente,
concluir que há desabastecimento,
que os gêneros estão escasseando. Esse é um exemplo clássico.
Na propaganda política, usam-se
lentes de aumento. Parte-se de determinado objetivo e, nessa direção,
constrói-se a novela, na qual o êxito
está em superestimar o que se deseja
passar ao povo: o vilão e o herói. O vilão, claro, é o adversário. O herói, o
cliente. Na agenda desta eleição, não
vêm predominando propostas dos
concorrentes. Não é uma decisão só
dos marqueteiros, mas a práxis política condenável de que o primeiro mandamento -construir o herói- tem
resposta lenta e não oferece dividendos rápidos, enquanto o processo de
desconstrução tem efeito imediato e
arrasador. A fórmula do dossiê utilizada pelo tucanato mostra isso.
Na República Velha, Pinheiro Machado era tido como fazedor de presidentes. Hoje, essa tarefa cabe aos publicitários.
Outro aspecto é a crença, muito verdadeira, de que hoje governa a política
o "tecnolítico eleitoral". Duas armas
acompanham diariamente o imaginário coletivo: a pesquisa e o analista político, isto é, aquele que sabe ler as tendências, aquele que indica onde e como atacar, onde intervir. Aquilo que
Cícero dizia no Senado romano sobre
os conspiradores secretos que tinham
o poder de apontar com o dedo quem
iria morrer.
Outro aspecto desse processo eleitoral foi a destruição dos partidos, que já
andavam tão combalidos. O Brasil
sempre dosou a sobrevivência de suas
instituições na fórmula difícil e realista
do partido nacional em convivência
superposta com o partido estadual. A
verticalização foi um desserviço ao
país. Ela acabou de destruir a frágil estrutura partidária, que recebia oxigênio das eleições -momento de coesão, que, hoje, é de fragmentação. A
definição de partido político é a de um
grupo de pressão que não deseja influenciar o poder, como os outros da
sociedade, mas exercer o poder. Nesse
quadro, os partidos são considerados,
hoje, indispensáveis para ganhar a
eleição, mas é impossível governar
sem eles na democracia.
O processo sucessório que continua
em marcha revela uma opinião pública empenhada em descobrir o próximo escândalo.
Num tempo bem mais ameno,
Adolfo Bloch queixou-se a mim de
que no Brasil nada acontecia. Perguntei-lhe: "Adolfo, com que capa você
gostaria que sua revista ("Manchete")
saísse?". E ele, sem titubear: "Ah, eu
adoraria uma capa com a notícia de
que o brigadeiro Eduardo Gomes se
apaixonou pela Norma Bengell. A capa seria a foto dos dois abraçados".
Ah, tempos, em que a grande curiosidade era a descoberta de uma paixão...
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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