São Paulo, sexta-feira, 27 de setembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Todos trabalham para Lula

CHICO SANTA RITA

O desenvolvimento da maioria das campanhas neste primeiro turno resultou em muitos candidatos perdedores e em uma atividade igualmente derrotada, o marketing político. Muito mais do que lições de "como fazer campanhas", a presente temporada apresentou inúmeros modelos de "como não fazer". Os erros foram exemplares, sempre em maior número e muito mais expressivos do que os acertos.
Nunca assistimos a tanta pancadaria numa campanha presidencial como agora. O início foi o que se convencionou chamar de "desconstrução da imagem de Ciro". O neologismo serve apenas para esconder um erro estratégico na quantidade e no tamanho dos ataques. Pois, se Serra, o atacante, por um lado conseguiu seu intento, também conseguiu, com isso, reforçar uma imagem de destruidor de candidatos, iniciada com o episódio Roseana Sarney.
Isso se deve ao fato de o principal responsável pela campanha tucana, Nizan Guanaes, ser um excepcional publicitário, seguramente um dos mais importantes do país. Mas marketing político não é propaganda, é outra ação no complexo mundo das comunicações. E aqui, talvez, falte-lhe algum traquejo.
Fazer uma campanha presidencial protegido pela fortaleza do Plano Real é relativamente fácil -assim foi em 94 e, guardadas as proporções, em 98. Para trabalhar um candidato governista, conciliando a visão que as pessoas têm do presidente no poder com a expectativa de mudança e a personalidade do postulante, é preciso bem mais do que a adaptação de um bom jingle de cerveja.
Na eleição estadual de 90, em São Paulo, vetei a campanha de ataques que Nizan, na sua primeira tentativa de incursão no marketing político, pretendia colocar no ar contra Paulo Maluf, imaginando que com isso faria Fleury ganhar a eleição, no segundo turno. Apesar de o resultado do primeiro turno ter apresentado uma diferença de 12 pontos: 34%, contra 22% do candidato apoiado pelo governador Quércia.


Os políticos e a militância nunca têm paciência para suportar um candidato com baixos índices de intenção de voto


As aparências indicavam o caminho do "bater para crescer", já que o adversário tinha flancos frágeis. Também tenho que reconhecer que, por hipótese e de acordo com a argumentação do momento, a campanha violenta talvez conseguisse ganhar, com um só golpe mortal. A decisão era dificílima. O fato é que acabei optando por uma campanha propositiva, sem deixar de ser aguerrida, que, lenta, gradualmente e com muito sofrimento acabou vitoriosa.
Em defesa do publicitário deve-se salientar que os políticos, em geral, e a chamada militância, em particular, nunca têm paciência para suportar um candidato com baixos índices de intenção de voto. Bater é sempre a solução simplista imediata. Difícil entenderem que cada caso é um caso diferente que tem que ser estudado e resolvido. Às vezes, até com um "cacete" bem aplicado.
Se há quem bata, há quem apanhe. Neste caso, a "desconstrução" pegou Ciro Gomes como se fosse uma gripe muito forte. O vírus sempre causa algum estrago, mesmo ao atingir um organismo sadio, bem estruturado. Se pega um debilitado, a avaria é muito maior. Foi o que aconteceu aqui. Os programas eleitorais do candidato, em geral, foram sempre mal avaliados pela população. Mesmo quando ele ainda ostentava níveis altos de intenção de voto, sua comunicação jamais conseguiu empolgar os seus eleitores potenciais.
Junte-se a esse quadro uma inexplicável demora em reagir e -quando veio- uma reação tíbia, olímpica, como se o candidato estivesse acima de qualquer suspeita, podendo simplesmente desqualificar as acusações que o atingiam. Junte-se também uma e outra declaração infeliz, posteriormente explicadas de forma defensiva, e pronto: a infecção viral cresce e vai cortando a capacidade do paciente de respirar.
Ao perceber a extensão da doença, o comando político da Frente Trabalhista ensaiou uma reação, convidando-me para fazer o que chamo de Pronto-Socorro Eleitoral. Reuni minha equipe e avaliamos que ainda dava tempo para uma tentativa de salvar o moribundo. A campanha estava no meio, faríamos ajustes sérios na comunicação, tratamento de choque. Passo a passo assistiríamos ao ataque gripal mudar de alvo. Era previsível que a pancadaria seria redirecionada para Lula. E Ciro, já fortalecido, poderia se beneficiar disso, voltando a disputar lugar no segundo turno. Não deu certo, pois o paciente optou por um tratamento com chá caseiro.
Para a população, que sempre assiste horrorizada a esse pugilato eleitoral, sobraram poucas alternativas. Garotinho pode ser uma, não tivesse ele começado a campanha revestido de tão pouca credibilidade na autocomparação com Getúlio e Juscelino. Melhorou depois, cresceu um pouco, mas pode ser difícil se livrar de uma certa aura de demagogia.
Agora é Lula, diz o refrão do petista. Pois parece que todos trabalham para isso. Inclusive ele, guardando-se numa bem montada campanha de espera, sem grandes arroubos, assistindo de camarote à epidemia se espalhar. Repete-se o que ocorreu com Marta Suplicy na eleição municipal paulistana. Ficou acomodada, sempre acima dos 30%, esperando quem chegaria em frangalhos para a batalha final. Desta vez, com uma diferença: talvez nem haja segundo turno. De todo modo, se houver, Lula tem se mostrado muito bem protegido. A vacina antigripal foi sendo religiosamente tomada nesses anos todos.


Chico Santa Rita, 63, jornalista, especialista em marketing político, é o responsável pela campanha de reeleição do senador Romeu Tuma (PFL-SP). Participou da campanha eleitoral de Fernando Collor à Presidência da República.



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