São Paulo, sexta-feira, 27 de setembro de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Os contadores da ética
REINALDO AZEVEDO
Se uma porcentagem ligeiramente maior de notícias negativas para Lula estaria a indicar que a Folha tem "o rabo preso" alhures, o que dizer dos outros três jornais? Teriam o rabo preso com o PT? Se dois pontos percentuais além do rigoroso equilíbrio bastavam para prender "o rabo" da Folha a interesses obscuros, o que terá acontecido com o "rabo" d" "O Globo", que, segundo o grupo, publicou apenas 19% de notícias negativas sobre Lula? Bastam dois pontos contrários ao PT para um jornal ver fuzilada a sua isenção no paredão da intolerância, mas não bastam nem 81, nem cem, nem mil pontos a favor do PT para ferir a isenção, a independência e a objetividade de outros jornais? Destaco, antes de avançar, que considero levantamentos dessa natureza uma suprema bobagem. Não é com régua ou calculadora que se medem isenção ou independência. O PT recorre a dados de um evento estatístico para fazer uma ilação que está fora do fato. É um truque comum a ignorantes e prosélitos. A demonstração bisonha da "evidência" não tira o direito do partido de alegar o suposto prejuízo. Mas que a coisa seja chamada pelo seu nome. E o nome dessa coisa é o "lugar privilegiado da vítima". Cumpre ao PT, mesmo incorporado ao establishment, hoje tão romano como qualquer um, preservar o espírito de gauleses sitiados. A tática de plantar falsas evidências e de exercer o charme de minoria perseguida, mesmo quando se é maioria que também persegue, dá, sim, resultado. Reparem: o noticiário das TVs omite, por exemplo, que o dólar muito acima de R$ 3 se deve, sim, à possibilidade de Lula se eleger no primeiro turno. Inventa-se um certo "fator eleitoral", sujeito tão abstrato como inexistente, para explicar a disparada da moeda. Quem deu aos editores dos jornais da TV o direito de omitir dos telespectadores o fato? Que chamem os investidores de especuladores, agiotas e sanguinários; que os acusem de tentar boicotar a democracia, a alternância de poder, o bem e o belo; que atribuam a vulnerabilidade externa a FHC, a Malan e até a José Serra. Só não podem é esconder um fato óbvio: Lula sobe nas pesquisas e leva o dólar consigo. Dói? O eleitor que decida. A benevolência que preserva o PT de suas próprias circunstâncias contribui para agregar ao partido laivos de má-fé -de novo, sob certo manto cúmplice e protetor. No fim da semana, Lula anunciou que cobraria de FHC explicações sobre a alta do dólar. Nesta segunda, o deputado Aloizio Mercadante (PT-SP) acusava o Banco Central de não agir e deixar a especulação rolar solta. O tal Diálogo deve ter tabulado as duas informações na coluna das "notícias positivas" para o PT. Trata-se, num caso, de mistificação e, no outro, de uma deslavada mentira. Como se vê, contadores até podem ter ética, mas não se deve deixar a ética para ser decidida pelos contadores. Reinaldo Azevedo, jornalista, é diretor de redação do site e da revista "Primeira Leitura" (www.primeiraleitura.com.br). Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Chico Santa Rita: Todos trabalham para Lula Próximo Texto: Painel do Leitor Índice |
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