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São Paulo, segunda-feira, 27 de outubro de 2003

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Um novo rumo para a OAB

LUIZ ANTONIO SAMPAIO GOUVEIA


É a carência de organização funcional e eficiente do aparelho judiciário que eterniza os processos

Desconhecendo a realidade dos foros, muitos afirmam que a razão da morosidade da Justiça brasileira está no número ilimitado de recursos judiciais que os advogados instrumentalizam para eternizar os processos, fazendo disso motivo de lucro, pelas circunstâncias criadas para cobrar da clientela honorários profissionais.
Essa visão canhestra e equivocada parece desconhecer que, na verdade, é a carência de organização funcional e eficiente do aparelho judiciário que eterniza os processos. Um Judiciário que nem mesmo se apruma em elementares fluxos de papéis, sendo os operadores do direito -mesmo promotores e juízes- inexperientes em organização e métodos, desconhecedores quase todos, como não poderiam ser, de comezinhos princípios de administração.
O desastre que aí está não pode, assim, ser atribuído aos advogados e muito menos à Ordem dos Advogados do Brasil. É certo que nós, advogados, somos em muito carentes. Mas o juiz que não cumpre prazos nem pautas ou o promotor que bate a porta no rosto do advogado, quando este o procura para aclarar uma dúvida em uma questão, ou aquele delegado de polícia que rasga o cartão de visitas que lhe dá o advogado, atirando-o na face, em ato cômico de despeito e de desrespeito (quando contrariado), são todos profissionais mal preparados para a função. Esquecem-se de que prestam um serviço público e que devem bem servir os consumidores de seus préstimos, sempre representados pelos advogados.
A raiz do problema está na estrutura do ensino jurídico no país, que não forma profissionais aptos a exercer funções elementares, atirando no mercado pessoas que são, antes, originários de um sistema massificado e, muitas vezes, apenas mercantilista.
Cumpre à OAB desatar esse nó da questão, porque é ela quem tem a chave do acesso dos bacharéis ao complexo de atividades jurídicas. E não se pode entender que o exame de ordem seja a solução exata de um problema que é estrutural. Esse exame é um simples paliativo para um entrave que se aproxima do social.
Escolhido presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional de São Paulo, não deixarei de enfrentar o desafio de colocar o dedo nessa ferida, buscando a conciliação de interesses sociais relevantes nessa área, honrando o mandato que me for conferido na defesa da juventude acadêmica, da advocacia e, sobretudo, da cultura brasileira, que cabe à OAB preservar.
Em relação à defasagem do aparelho de produção jurídica, comparado com a realidade social que o superou, proponho que a OAB compartilhe, com juízes e promotores, a administração dos foros, dos tribunais e de suas estruturas funcionais, numa co-gestão do sistema judiciário, solucionando assim um problema que é administrativo, e não de direito processual.
Esse meu trabalho é marcado por duas reflexões: uma advinda de um poema de José Hernandez, o Camões da literatura argentina, que manda os irmãos serem unidos, para que não os devorem os estranhos; outra, que está na declaração de independência das Treze Colônias americanas, em que se combatera tiranos que foram surdos às vozes da justiça e da fraternidade.
É preciso reconstruir a OAB, que se perdeu em disputas de caciques que se aferram ao egoísmo de seus passados ditos ilustres e que foram superados pelo coletivo, ao qual não mais podem controlar. É necessário, assim que terminarem as eleições, que os advogados reconstruam a unidade de princípio indispensável ao resgate de nosso respeito pela sociedade, fazendo-nos pensamento de uma coletividade, e não de chefetes, que "condottieri" jamais foram nem serão.


Luiz Antonio Sampaio Gouveia, advogado, é pré-candidato à presidência da OAB-SP.


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