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TENDÊNCIAS/DEBATES
Reforma do Judiciário em canto gregoriano
SAULO RAMOS
Aos que me cobraram a longa ausência desta página, explico: estive
quatro meses ocupado com hospitais e
médicos, com cirurgias e convalescenças, novas cirurgias, mais e duvidosas
convalescenças. Quando estava a ponto
de enlouquecer, troquei de cidade, de
hospital, de médico e de doença. Fui internado na UTI do hospital de Ribeirão
Preto, dirigido pelo dr. Palocci, o Pedro,
que é médico como o irmão, o Antonio,
futuro ministro da Fazenda. Ali, segundo tudo faz crer, fui curado.
Espero que este último Palocci, o Antonio, faça o mesmo com as finanças do
Brasil ao suceder o outro Pedro, o Malan.
É isso. Assim, sobrou-me tempo e vida para observar, neste fim de dezembro, a movimentação das pessoas e dos
acontecimentos em torno do governo
eleito, ao menos enquanto tudo é uma
espécie de "Lula-de-mel".
Um dos fatos positivos das novas engenharias políticas foi o adiamento da
reforma do Judiciário. O projeto atual
está paupérrimo. É preciso que o Senado designe outro relator e, com calma e
suficiente debate, refaça o amazônico
desastre que Bernardo Cabral legou ao
Poder Legislativo, sob a indiferença e a
omissão do governo Fernando Henrique.
No próximo ano haverá tempo, se o
país tiver juízo para aproveitar a chance
de modernizar e adotar regramento
constitucional inteligente para a velha
geringonça do funcionamento judiciário, submetido hoje a um irritantemente obsoleto emaranhado de normas desconexas e arcaicas, ultrapassadas até pelo passado.
No novo governo está pintando gente
capaz de ajudar, e muito, o aperfeiçoamento da reforma. O futuro ministro da
Justiça, Márcio Thomaz Bastos, é competente e tem capacidade para arregimentar uma boa equipe de juristas que,
como ele, vivem o problema judiciário
na prática e na teoria aplicável, em que,
para tanto, é necessário a regra legal que
nós, apenas para complicar, chamamos
de "ferenda" (por fazer).
Na Educação, Cristovam Buarque é
outro. Lembro-me dele na Comissão
Afonso Arinos. Tinha muita consciência jurídica extraída da inteligência e do
bom senso.
No Ministério da Fazenda, Antonio
Palocci é portador de toneladas de bons
critérios e dotado de espírito público,
além de uma vontade ferrenha de trabalhar e acertar. Conheço-o bem, de Ribeirão Preto, cidade que tem a glória de
ser vizinha de Brodósqui, minha terra.
Aliás, Ribeirão Preto, neste ano, além de
tudo o que já fez pelo Brasil (café, cana e
Califórnia, lembram-se?), projetou duas
personalidades marcantes para as esperanças brasileiras: Palocci, na política
econômica, e Diego, do Santos, no futebol, menino de impressionante precocidade neste esporte.
[Lula] deve, porém, lembrar que o diploma de presidente da República recebe-se antes e o curso vem depois
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Henrique Meirelles, indicado para o
Banco Central, é outro que pode colaborar decisivamente. Em matéria de
mercado, aqui e alhures, conhece tudo,
o que não seria suficiente. Mas aí está o
caminho das pedras. Ele raciocina lucidamente, rápido, sabe ouvir e entende o
que ouve, para sempre ter certeza do
que houve e como conduzir o que vai
haver.
José Dirceu pode ser para Lula o que
Quintanilha Ribeiro, há meio século, foi
para Jânio Quadros, que era, inegavelmente, culto, instruído, inteligente,
cheio de diplomas, mas temperamental
e decidia coisas impulsivamente, o que
provocava dor de cabeça nele e no país.
Chico Quintanilha aconselhava, era o
freio, o bom aviso, ponderação. Apenas
fracassou na renúncia, quando Jânio
quis imitar De Gaulle e acabou figurando Napoleão.
Lula, segundo informam, não é temperamental nem impulsivo; é humilde
e, se o poder não estragar essa qualidade, poderá acertar. Chorou ao receber o
primeiro diploma. Deve, porém, lembrar que o diploma de presidente da República recebe-se antes e o curso vem
depois. E, dentre as matérias da escola,
ouvir bons conselhos é a disciplina principal. Nisto José Dirceu se encaixa como
luva, segundo me disse José Sarney, em
quem confio há 40 anos.
E o que tem a ver todo esse pessoal
com a reforma do Judiciário, que será
elaborada pelo Congresso Nacional?
Tem tudo a ver. Governo novo, bem votado, é a música preferida dos nossos
parlamentares, que a cantam em coro
gregoriano. E as novas regras constitucionais para o funcionamento judicial
passam por todas essas matérias: economia, educação, legislação, processos
mais ágeis, regramentos que levem justiça ao seu único destinatário, o povo.
Todas essas pessoas podem, no exercício de suas responsabilidades de poder político, sugerir e obter do Parlamento uma reforma digna de um país
moderno e limpo.
Espero que atentem para essa relevante e urgente questão e não se deixem levar pelas envolventes rotinas dos cargos. Há muita coisa a ser feita neste país.
Uma delas é assegurar que tudo funcione bem nos trilhos jurídicos e no berço
da legalidade. A frase até que é bonita.
Mas, se não fizerem isso, prefiro voltar
para a UTI do dr. Palocci, o Pedro.
José Saulo Pereira Ramos, 73, é advogado. Foi
consultor-geral da República e ministro da Justiça (governo Sarney).
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