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CLÓVIS ROSSI
Erramos?
SÃO PAULO - A capa da Folha de
ontem diz que "na mídia e em declarações de autoridades americanas, o caso [do menino Sean Goldman, devolvido ao pai após uma novela de cinco anos] ganhou contorno de disputa entre países".
É verdade e, por isso mesmo, o
papel da mídia precisaria ser discutido nesse caso.
Trata-se de um assunto de família, exclusivamente de família. Não
há interesse público envolvido. Há,
sim, curiosidade pública, o que é
bem diferente. Do que decorre a
pergunta que me parece central e
me causa desconforto: temos, os
jornalistas, o dever, a obrigação, de
atender sempre a curiosidade do
público, mesmo quando ela é invasiva? Neste caso, é pior ainda, porque invasiva de uma criança.
Não, não me venham dizer que
invadimos cotidianamente a privacidade de muitas pessoas. É verdade, mas, em 99,9% dos casos, trata-se de pessoas públicas, que procuraram a notoriedade, não raro
apoiando-se na mídia.
A busca pelos holofotes tem preço. Muitas vezes, os holofotes acesos pela mídia é que impedem abusos de diferentes naturezas.
Mas Sean não procurou os holofotes. Seu caso acabou por se transformar em exercício de jornalismo-espetáculo.
E não apenas no Brasil: a rede
norte-americana NBC não fretou
um avião para levá-lo aos EUA com
o pai por amor à infância, mas por
amor ao espetáculo.
Nesse espetáculo acabamos por
cometer um pecado grave: demos
abrigo a uma acusação, feita pela
avó materna, de que o Executivo e o
Judiciário brasileiros venderam-se
aos Estados Unidos pagando com
Sean pela manutenção de vantagens comerciais.
Nenhum jornalista sério diria tal
coisa por sua conta. Se o dissesse,
correria o risco de purgar elevada
pena. No entanto, no jornalismo-espetáculo, a acusação foi ao ar e ao
papel. Incomoda, não?
crossi@uol.com.br
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