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OTAVIO FRIAS FILHO
Goela abaixo
A decisão do Tribunal Superior
Eleitoral de "verticalizar" as coligações, atrelando os acordos estaduais
ao federal, reflete o que se poderia chamar de fetiche da ideologia. Vigora
entre nós o senso comum de que partido ideológico é bom. Como nossos
partidos não o são, cabe ao Estado
obrigá-los a serem.
A premissa de que partido ideológico é melhor foi estabelecida nos anos
70, quando a oposição de esquerda
definia a etiqueta em matéria de
idéias. Escolada no marxismo e na política européia, a esquerda consolidou
esse fetiche, bem como a idéia de que
o PT é nosso único partido ideológico.
Não é bem assim. Tão democrático
quanto os europeus, o sistema norte-americano não é ideológico. O que
prevalece ali são duas "sublegendas"
de um mesmo partido do establishment. Embora o Partido Democrata
seja tido como mais à "esquerda" que
o Republicano, ambos contam com
poderosas alas de direita.
Não é necessário que um partido seja ideológico para que tenha coesão
programática e disciplina interna e
para que exerça sua função de representar interesses coletivos. É ilusão
pensar que vamos reproduzir aqui a
mesma evolução histórica da política
européia. Nossa "geléia geral" tem
mais a ver com o dinamismo e a fluidez da sociedade americana.
Outro fetiche é considerar que o PT
seria "o" partido ideológico. Por suas
origens e por estar mais afastado do
poder, as idéias ainda têm nesse partido um peso maior do que nos outros.
Mas o PT é uma confederação de tendências que vão desde a social-democracia mais anódina até a extrema esquerda mais lunática.
Na decisão do TSE, é inevitável vislumbrar um outro estrato de clichês,
que remonta na tradição local ao Estado Novo do ditador Getúlio Vargas. O
fetiche, nesse nível, é a noção de que o
"nacional" deve se sobrepor ao "local"
e de que o Estado deve se impor à "indisciplina" natural de nossa sociedade
anômica, caótica.
Só o tempo e a prática democrática
podem fazer decantar no Brasil um
sistema partidário mais autêntico e
funcional. Queremos acelerar esse
processo por via normativa? Que se
aprovem, então, as providências que
inibiriam a infidelidade partidária e
sufocariam as legendas sem expressão
que só existem para serem alugadas.
A leitura política da decisão é devastadora. É absurdo reduzir a complexidade das situações estaduais, por mais
vis que sejam certas motivações locais
(as federais por acaso são diferentes?),
à camisa-de-força do esquema nacional. E fica no ar a sensação de mudança de regras no meio do jogo.
Pode ser que a deliberação eleitoral
não seja, como alguns de seus críticos
apontam, eleitoreira. Isto é, que ela
não tenha o propósito nem o efeito de
beneficiar o candidato oficial, José
Serra. Talvez venha até a prejudicá-lo,
pois começa a incomodar a atmosfera
"mexicana" em meio à qual se tenta
descer esse candidato garganta abaixo
do eleitorado, custe o que custar.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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