São Paulo, quinta-feira, 28 de fevereiro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Mais educação, menos pobreza

PAULO RENATO SOUZA

Há pouco mais de um ano lançamos, no município de Águas Lindas, em Goiás, o Programa Bolsa-Escola Federal. Hoje o programa está presente em 5.470 municípios, ou 98% dos municípios brasileiros. Restam apenas 91 prefeituras, que devem aderir ao programa em breve. Beneficiamos mais de 8,2 milhões de crianças que vivem em 4,8 milhões de famílias. Serão investidos anualmente R$ 2 bilhões em benefícios para garantir a presença de nossas crianças nas escolas.
Por trás dos números, uma convicção está presente: combater a injustificável desigualdade social brasileira por meio da expansão sem precedentes do sistema educacional brasileiro. O combate à pobreza é um imperativo ético. Suas maiores vítimas são as crianças, lançadas às ruas, ao trabalho precoce, privadas da escola, da infância, do futuro. Agora, uma nova geração de brasileiros está surgindo, para a qual esse será um quadro do passado.
O Bolsa-Escola federal foi criado com essa visão. Foi pensado grande, porque tínhamos um grande desafio pela frente. Mobilizamos prefeitos, comunidades, professores, escolas. A medida provisória que criou o programa foi aprovada pelos parlamentares e convertida em lei em menos de dois meses, o que mostra que o Congresso Nacional entendeu seu grande alcance social e importância.
São atendidas as crianças de 6 a 15 anos, matriculadas no ensino fundamental. A meta é contemplar mais de 10 milhões de crianças -uma em cada três crianças matriculadas no ensino fundamental. Serão quase 6 milhões de famílias com renda per capita de até R$ 90 que passarão a receber R$ 15 por mês, para cada filho. Estabeleceu-se o limite de três crianças por família, chegando o benefício familiar ao máximo de R$ 45.
O governo federal paga o valor integral do benefício e as prefeituras ficam encarregadas de promover ações socioeducativas.
Era preciso agir rápido, porque tirar da miséria 6 milhões de famílias não se faz do dia para a noite. Agimos com muita determinação. Em menos de um ano, o Ministério da Educação conseguiu organizar e colocar um programa desta abrangência nas ruas e já teremos, no próximo mês, 5 milhões de famílias beneficiadas. Graças à agilidade dos mecanismos criados e a uma intensa campanha de mobilização, o Bolsa-Escola federal é o primeiro programa de renda mínima realmente universalizado no Brasil.
A maior inovação em relação a programas de transferência de renda do passado, no entanto, é a criação do cartão bolsa-escola. Com ele em mãos, basta que a mãe se dirija a qualquer agência, casas lotéricas ou outros agentes pagadores credenciados pela Caixa Econômica Federal para sacar o benefício. São milhões de mães pobres que hoje exibem com orgulho seu cartão eletrônico, até mesmo como símbolo de cidadania.
Há um efeito econômico, que de modo nenhum deve ser subestimado: em primeiro lugar, para as famílias beneficiadas.


Não é uma renda mínima que vai tirar ninguém da pobreza; o grande objetivo é a permanência das crianças na escola


"Eu ganho R$ 50 por mês e esse dinheiro do Bolsa-Escola vai me ajudar bastante", diz Maria Cristina Viana, de Capão Bonito, São Paulo. Para quem é pobre e ganha menos de R$ 90 ao mês, R$ 15 por criança na escola, todos os meses do ano, faz muita diferença; passa inclusive a dar crédito no comércio dos pequenos municípios brasileiros.
Três milhões das famílias atendidas recebem entre R$ 30 e R$ 45. Mas também há efeitos multiplicadores na economia dos municípios: o movimento do comércio aumenta, a oferta de trabalho se beneficia com a retirada das crianças do mercado, o êxodo rural diminui. E não são apenas pequenas cidades que sentem esses efeitos.
Um médico de Pelotas, uma das maiores cidades do interior do Rio Grande do Sul, fez a conta: "A repercussão disso para a frágil economia local é a entrada de cerca de R$ 180 mil por mês em nossa cidade. Em um ano, significa quase R$ 2 milhões para Pelotas" ("Diário da Manhã", 4/12/2001).
Mas não é uma renda mínima que vai tirar ninguém da pobreza, e sim muitos anos de estudo. O grande objetivo é a permanência das crianças na escola.
Dados preliminares revelam que o cadastramento das famílias acompanhou a pobreza brasileira, ou seja, nos Estados mais pobres o índice de famílias da zona rural no programa foi maior, chegando a 43%. Nos Estados mais desenvolvidos, a população rural beneficiada foi de 10% a 20% do total. É um primeiro indicativo da boa focalização, fundamental para o gerenciamento adequado de outros programas sociais de combate à pobreza. É um cadastro para programas de transferência de renda que o Bolsa-Escola está ajudando a montar, para permitir ações coordenadas e corretamente focalizadas de superação da miséria.
Esses são os efeitos visíveis, imediatos. Os melhores frutos, contudo, são os que ainda vão amadurecer, em longo prazo. Redução da pobreza, das desigualdades, melhor inserção dos jovens -e, por consequência, do país- na nova economia, com cidadãos mais conscientes e participativos, melhores índices de educação e saúde, menos violência e criminalidade.
É uma geração para mudar o Brasil.


Paulo Renato Souza, 55, é ministro da Educação. Foi reitor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) de 1986 a 1990 e secretário da Educação do Estado de São Paulo (governo Montoro).



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