São Paulo, quinta-feira, 28 de fevereiro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Trabalho sem dor

MARIA JOSÉ O'NEILL e COSMO DE MORAES JR.

LER e Dort são duas siglas de certa forma ainda novas e pouco conhecidas pela maioria das pessoas.
O primeiro passo a ser dado para conhecer o assunto com seriedade e isenção é tratá-lo com distanciamento das questões comuns da relação capital versus trabalho, pois suas consequências já assumem proporções que vão além dessa esfera. LER e Dort são problemas de saúde e suas implicações gerais e seus custos, em especial, atingem a todos.
Quando falamos em LER (Lesões por Esforços Repetitivos) e Dort (Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho), a maioria das pessoas logo pensa que nos referimos apenas às doenças do trabalho dos digitadores. De fato foi a tendinite do digitador que primeiro foi reconhecida como esse tipo de patologia no Brasil -isso em 1987-, mas logo na década de 90 o próprio INSS ampliou esse reconhecimento e as siglas passaram a abrigar, além da tendinite, tenossinovite, bursite, síndrome do Túnel do Carpo e outras doenças mais.
Os dados mais recentes sobre LER e Dort no Brasil não são muito animadores. Em 2001 o Instituto Nacional de Prevenção às LER/Dort, em convênio com o Ministério da Saúde, encomendou ao Datafolha uma pesquisa sobre a incidência de LER em São Paulo. O resultado apresentou 310 mil trabalhadores com diagnóstico fornecido por médicos, o que significa 6% da população laborativa de São Paulo. Esses números com certeza contribuem para os R$ 12,5 bilhões gastos por ano -por empresas- com acidentes e doenças do trabalho no Brasil.
O cálculo é do economista e professor José Pastore, da USP, que no mesmo trabalho afirma que, se levados em consideração outros fatores (acidentados e doentes que atuam na informalidade, gastos diretos das vitimas etc), o governo gasta R$ 20 bilhões por ano.
Em um país onde as questões de saúde e atendimento estão ainda restritas aos casos mais evidentes, as LER/Dort trazem em si a agravante da sutileza do problema. Tendo como causas o esforço físico e a repetição de movimentos, aliados muitas vezes ao estresse e outras condições desfavoráveis no ambiente do trabalho, geralmente as consequências têm início com sintomas quase sempre desconsiderados pelas pessoas e de difícil diagnóstico, quando não há a associação da queixa com a atividade profissional desenvolvida.


Hoje é uma boa oportunidade para pensarmos em saúde neste país; como um bem ao qual todos têm direito


Isso tudo ocorre, por um lado, num momento em que termos como produtividade e competitividade fazem muitas empresas definirem seus objetivos sem levar em conta qualquer parâmetro que considere a capacidade humana. Por outro lado, o desemprego faz com que as pessoas aceitem certas condições de trabalho.
Ironicamente, perdem todos: as empresas, porque acabam arcando com os altos custos de problemas de saúde dos seus empregados (isso sem falar nas perdas de produtividade e qualidade), o Estado, que arca com parte desse custo, e a sociedade, que, ao pagar seus impostos, assume uma grande parcela de tudo isso.
Hoje é o Dia Internacional de Prevenção à LER. Em 1995, um grupo de trabalhadores lesionados do Canadá instituiu esta data e, a partir de então, conseguiram sensibilizar organizações não-governamentais de todo o mundo para o assunto.
Hoje é uma boa oportunidade para pensarmos em saúde neste país; saúde como um bem ao qual todo o ser humano tem direito.


Maria José Pereira da Silva O'Neill, 45, jornalista, é presidente do Instituto Nacional de Prevenção às LER/Dort. É autora de "LER/DORT - o Desafio a Vencer". Cosmo Palásio de Moraes Júnior, 41, é técnico de segurança do trabalho.



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