São Paulo, sábado, 28 de fevereiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

Beco sem saída

SÃO PAULO - A onda liberal que sucedeu a crise do Estado desenvolvimentista prometeu ajustar a economia brasileira a uma nova realidade global, na qual o país, finalmente livre das amarras do passado estatista e inflacionário, poderia tornar-se um "player" capitalista moderno e competitivo. Para tanto, seria preciso aliviar o Estado de sua velha e enferrujada carcaça, promovendo reformas liberalizantes e privatizações.
Mesmo reconhecendo alguns avanços, a maneira como o Brasil -e de um modo geral a América Latina- encontrou sua vaga na globalização mostrou-se bastante problemática. Mesmo arautos da nova ordem já reconheceram a frustração.
Não se trata de repetir a fraseologia rasteira contra o "neoliberalismo", mas de reconhecer que a administração equivocada do câmbio no Plano Real, em combinação com a política de liberalização de capitais e a crença supersticiosa na capacidade de coordenação do desenvolvimento pelos mercados, levou o país a um impasse. Economistas já descreveram exaustivamente a chamada dinâmica do "vôo da galinha".
Os maus resultados da aventura liberal -crescimento medíocre, juros altos, vulnerabilidade externa- abriram horizontes para correções de rumo. A lógica hegemônica, no entanto, conseguiu fazer com que qualquer perspectiva de mudança aparecesse aos olhos da sociedade como irresponsável. Mudar é maluquice -como desejar reformar a natureza. A simples menção à idéia de o Estado retomar a coordenação do desenvolvimento tornou-se "populismo" -conceito esvaziado e enviesado para representar os piores defeitos de um Estado perdulário e intervencionista. Uma espécie de xingamento equivalente, pelo lado liberal, ao "neoliberalismo" da esquerda.
O governo petista, como se sabe, comprou o pacote do cânone vigente e dobrou a aposta. Com isso, parece não ter outra alternativa senão conduzir ele mesmo e o país a um perigoso "cul-de-sac".


Texto Anterior: Editoriais: MISTÉRIO NO ZÔO

Próximo Texto: Brasília - Fernando Rodrigues: URV do crescimento
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.