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TENDÊNCIAS/DEBATES
Uma premiação no Oscar ajudaria o cinema brasileiro?
SIM
A hora e a vez do cinema brasileiro
LUIZ CARLOS BARRETO
Neste ano a festa do Oscar será
vista pela primeira vez nos lares da
China, dado que o governo chinês liberou a transmissão do evento. Assim, a
festa do cinema americano, que cada
vez mais se torna a festa do cinema
mundial, com a participação de mais de
50 países (contando com os que inscrevem obras para melhor filme estrangeiro), iguala-se à Olimpíada e à Copa do
Mundo de futebol como um dos eventos mais vistos pela televisão; ou seja,
com mais de 3 bilhões de espectadores.
É a partir desse dado que se deve julgar a importância da presença de um filme brasileiro na noite do Oscar, como
acontecerá amanhã, quando o magnífico "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles, estará concorrendo à premiação
em quatro categorias nobres: melhor
direção, melhor roteiro, melhor montagem e melhor fotografia.
Assim aconteceu em 1996, 98 e 99,
quando "O Quatrilho", de Fábio Barreto, "O Que é Isso, Companheiro?", de
Bruno Barreto, e "Central do Brasil", de
Walter Salles, concorreram à premiação
de melhor filme estrangeiro.
Essa prova de vigor e excelência técnica e artística que o cinema brasileiro
vem dando, não só pela sua seguida participação no Oscar, mas também pela
sua presença assídua nos festivais internacionais (Cannes, Berlim, Veneza, Toronto, Mar del Plata, San Sebastian,
Montréal etc.), também dá ao Brasil
uma visibilidade e um prestígio na mídia internacional -que nem sempre
tem motivos para dar boas notícias sobre nosso país, exceto quando nossos
esportistas e artistas entram em cena e
dão brilho às nossas cores.
Avaliar a importância do Oscar sob
esse ângulo é a forma correta de valorizar aquele evento, não só como um concurso de valor artístico, mas sobretudo
como uma grande jogada de marketing
de dimensão planetária. O que não podemos, nem devemos, é transformar o
Oscar, a cada ano, numa ansiedade nacional como a Copa do Mundo e estabelecer julgamento de valor sobre o cinema brasileiro a partir do fato de ganhar
ou não um prêmio. O cinema brasileiro
não será melhor nem pior antes ou depois do Oscar; e "Cidade de Deus" permanecerá um belo e grande filme, ganhe ou não ganhe uma estatueta, pois a
simples nomeação para quatro categorias de alto nível confere ao cinema brasileiro um aval técnico e artístico que
nos coloca ao lado das principais indústrias cinematográficas mundiais.
Quando, na noite desse domingo, 29
de fevereiro, o nome do Brasil for anunciado como o país de origem da produção "Cidade de Deus", instantaneamente mais de 3 bilhões de telespectadores
identificarão nosso país como ator de
primeira linha nesse sofisticado mundo
da produção de conteúdos audiovisuais. E mais relevante se tornará esse
momento pelo fato de estarmos sendo
representados por uma obra cinematográfica que leva em seu bojo uma visão
crítica de um sério problema social, exposto com plena e total liberdade temática e uma audaciosa concepção estética
e narrativa.
Como quantificar o valor desse e de
outros momentos que antecederam e
sucederão ao Oscar?
Até os dias de hoje, filmes como "O
Cangaceiro", de Lima Barreto, "Vidas
Secas", de Nelson Pereira dos Santos,
"O Pagador de Promessas", de Anselmo
Duarte, "Deus e o Diabo na Terra do
Sol" e "Terra em Transe", de Glauber
Rocha, "Bye Bye, Brasil", de Carlos Diegues, "Índia, a Filha do Sol", de Fábio
Barreto, "Eu Sei que Vou Te Amar", de
Arnaldo Jabor, "Dona Flor e seus Dois
Maridos", de Bruno Barreto, "Macunaíma", de Joaquim Pedro de Andrade,
"Eles Não Usam Black Tie", de Leon
Hirszman, "Pixote", de Hector Babenco, e tantos outros, inclusive da recente
safra da "retomada" dos jovens e talentosos realizadores como Andrucha, Beto Brant e Jorge Furtado, continuam circulando nas telas dos cinemas dos Estados Unidos, América Latina e Europa,
sendo mostrados, estudados e analisados nas universidades e permanentemente comentados pela crítica cinematográfica internacional, abrindo imensos espaços de visibilidade para a vida, a
gente e a cultura brasileiras.
Aí está a contrapartida sociocultural
que o cinema brasileiro vem dando e
continuará a dar, projetando a imagem
deste rico e belo país, além de, no plano
interno, vir cumprindo sua principal
função, que é contribuir para o autoconhecimento e também elevar a auto-estima do povo brasileiro.
Chegou a hora, portanto, de ampliarmos a nossa visão e a nossa atitude com
relação à cultura, e não mais tratarmos,
sociedade e governos, a produção dos
conteúdos culturais como apenas um
ornamento, um enfeite, mas como uma
atividade de importância estratégica e
vital para alcançarmos as transformações sociais, políticas e econômicas que
tanto almejamos.
Luiz Carlos Barreto, 74, produtor de cinema, foi
co-roteirista e co-produtor do filme "Assalto ao
Trem Pagador" e diretor de fotografia de "Vidas
Secas" e "Terra em Transe", além de haver produzido ou co-produzido mais de 80 filmes.
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