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TENDÊNCIAS/DEBATES
Uma premiação no Oscar ajudaria o cinema brasileiro?
NÃO
O baile dos mascarados
CLÁUDIO ASSIS
Lá estamos de novo, desta vez
mais ufanistas do que nunca, embalados pela ilusão marqueteira do grande
baile de Hollywood. De repente, a mídia
e o coronelismo audiovisual que ainda
domina o cinema brasileiro fazem da
"pátria de chuteiras" a "pátria do copião", a "pátria do celulóide". Deixamos
de ser a terra do futebol e vivemos a ilusão de grande potência cinematográfica. Os jornais e TVs exaltam a nossa
qualidade técnica, que agora estaria
competindo de igual para igual com a
dos americanos. "Yes", nós chegamos
lá. Enquanto isso, de algum canto misterioso, Glauber Rocha ri, faz pilhéria da
cara de todos eles.
O baile de Hollywood não quer dizer
nada para o cinema brasileiro. Muitos
alegam o prestígio internacional, o reconhecimento lá fora e outras mazelas
sem fundamento. Tudo é desculpa para
encobrir, na verdade, os egos megalomaníacos que não assumem a condição
política e estética de terceiro-mundistas, adotando uma maquiagem capaz
de ser premiada com uma estatueta especial. A obsessão pelo Oscar, doença
que já veio no DNA de algumas das nossas famílias campeãs de arrecadação de
recursos públicos, é de uma "jequice"
vergonhosa.
O Oscar nunca alavancou a indústria
cinematográfica de nenhum país. Muito
pelo contrário. É justamente o baile de
Hollywood que define o massacre das
distribuidoras americanas sobre o cinema periférico de países como o Brasil.
Como disse certa vez o diretor e amigo
Beto Brant, não entendo para que tanta
festa se aquilo é a celebração do carrasco
do nosso cinema. Se estamos "lá", como
vibram os corações ufanistas, é até mal
sinal. É o reconhecimento do triunfo da
"cosmética da fome" sobre a "estética
da fome". Significa que estamos atendendo, obedecendo, cada vez mais o padrão estético dessas mesmas distribuidoras. Ou vocês acham que elas fariam
lobby e empenhariam uma grana doida
para defender os "nossos" representantes na disputa pela sonhada estatueta só
por franciscanismo e bom coração?
O que alavanca a indústria do cinema
de qualquer país é uma política feita de
baixo para cima, com fomento à distribuição e comercialização. Uma política
que permita uma distribuição mais justa dos recursos em todo o país e impeça
a concentração do dinheiro público nas
mãos de dois, três grupos do eixo Rio-São Paulo, como sempre aconteceu. Aí
teremos mais inventividade, porque
não estaremos condicionado a obsessões por estatuetas nem submetidos
100% ao gosto televisivo dos grandes
produtores do momento, que impõem
pesquisas de mercado até para decidir o
corte e a edição das suas "obras de arte".
É o caso, por exemplo, de muitas produções da Globo Filmes. Nessa história,
no entanto, o que é mais vergonhoso do
que a "edição popular" é o bolo de recursos públicos, via isenção fiscal, que
acaba beneficiando a emissora produtora, repetindo a sua saga de benesses
que vem desde a ditadura militar e parece não ter fim, uma vez que a TV pleiteia
uma ajudinha de milhões do BNDES.
Sem falar que todas as emissoras de TV
são concessões públicas.
Por que entrar um centavo público
para a produção desses filmes, enquanto diretores de todo o país, a léguas da
indústria das celebridades, não têm a
mesma chance? Essa indústria global é
bem azeitada. É um cinema que começa
no jantar que a atriz famosa da novela
tem com o governador de um Estado,
besta que se derrete em apoio e verbas
públicas, e termina na "privatização"
desses recursos nos bolsos de meia dúzia de bacanas. Repete, de certa forma, o
mesmo esquema Vieira Souto de antigamente, quando a indústria do cinema
esteve bem ligada aos negócios imobiliários dessa caríssima avenida carioca.
Para completar a "maravilha de cenário", tem a farra das "majors" americanas associadas às grandes produções
brasileiras, que representam para eles
uma bela remessa facilitada de lucros e,
ao mesmo tempo, encarregam-se de arrasar as pequenas e médias produções
nacionais, como é o caso do cinema mexicano e, futuramente, do brasileiro.
É essa mesma gente que costuma ser
bastante ufanista e vibrar com a participação brasileira no baile de mascarados
de Hollywood. O jogo do Oscar é tão
perverso para o nosso cinema quanto a
Alca, nos moldes planejados pelo governo de George W. Bush, seria para o chamado "livre comércio" da América.
Cair no conto das estatuetas é trocar a
inquietação estética pelo comodismo
do smoking. Os barões do nosso cinema
se iludem com a festa da temporada.
Um dia irão perceber que fazem parte
mesmo é daquela farra de "O Anjo Exterminador", o filme de Buñuel que
aprisiona a falta de consciência tipicamente burguesa.
Cláudio Assis, cineasta, é diretor e produtor do
longa-metragem "Amarelo Manga" e dos curtas
"Texas Hotel" e "Soneto do Desmantelo Blue".
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