São Paulo, Domingo, 28 de Fevereiro de 1999
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RISCOS DA NOVA INFLAÇÃO


A inflação está de volta. Por quanto tempo, com qual intensidade e com quais perspectivas, entretanto, são questões que ainda é cedo para responder. Apenas o fato é, em si, inegável, compondo um quadro angustiante que inclui a desvalorização cambial acima do esperado, um desemprego crescente e fortes inquietações em torno da capacidade do governo levar adiante o ajuste fiscal.
A reversão da situação atual não é obviamente impossível, mas apenas se torna cada vez menos previsível a cada indicador econômico divulgado, ao mesmo tempo em que as condições políticas tornam mais incertas as bases de sustentação do governo Fernando Henrique Cardoso.
É verdade que, em vários países, a crise cambial foi semelhante e, num período de três a seis meses, os exageros da desvalorização finalmente passaram e um novo equilíbrio foi alcançado. Estudo recente preparado por técnicos do FMI, por exemplo, calcula em cerca de 29% desde 1980 os casos de sucesso, em que a moeda local volta a se valorizar num prazo de tempo relativamente curto.
Talvez o Brasil se enquadre nessa categoria. No entanto, entre as condições de sucesso está a capacidade de o governo promover um verdadeiro choque de juros. Algo semelhante, aliás, ao que o governo brasileiro promoveu no ano passado, quando, de fato, foi bem sucedido ao evitar -ou, agora se sabe, adiar- um colapso completo da moeda.
Hoje, com menos reservas internacionais em caixa, com muito menos espaço político e técnico para promover um choque de juros e com dificuldades para restaurar as linhas de crédito externo, a economia brasileira tem menos chances de atravessar rapidamente o intrincado percurso da correção cambial.
Uma das hipóteses possíveis é o governo brasileiro ser levado a uma linha de atuação acomodatícia, sem buscar uma reversão muito rápida da desvalorização cambial e, em última análise, aceitar algum impacto inflacionário em decorrência da desvalorização do real. Nesse segundo cenário, a prioridade não é conseguir reduzir ao máximo a inflação ou mesmo fazer o dólar recuar. Mais urgente é evitar flutuações excessivas do câmbio e uma disparada dos preços.
Seria uma perspectiva com dificuldades maiores e uma transição mais longa rumo a uma nova estabilidade. Mas já se poderia considerar razoável chegar ao final de 1999 com uma inflação em torno de 15% ao ano e uma desvalorização real (ou seja, descontada a inflação) próxima dos 30%, sem reindexação da economia e sem descontrole inflacionário.
Entretanto, quanto mais durar essa travessia, maiores serão os seus riscos, a começar pelas inevitáveis pressões pela reindexação de salários e contratos. Afinal, o Brasil desenvolveu como poucos países uma tecnologia e uma memória coletiva de convívio intenso com a inflação.
Se a reindexação ocorrer ou se na longa travessia a inflação continuar em alta, pressionando novamente as taxas de câmbio e juros, o país voltará a um círculo vicioso do qual só sairá, como tem feito, apelando para um novo plano econômico ou um choque forte o suficiente para eliminar, novamente, a indexação.
Mas a probabilidade de cada um desses cenários não dependerá apenas de fatores internos. A restauração da credibilidade do país nos mercados externos é decisiva. O resgate de apoios políticos internos também. E, embora nenhuma dessas condições esteja hoje presente, tudo depende de como, com que intensidade e com quais perspectivas evoluirá a novíssima inflação brasileira.


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