São Paulo, Domingo, 28 de Fevereiro de 1999
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ENCONTRO DE CONTAS

A questão cambial tem dominado as atenções, mas há uma questão fundamental que, sem solução, trará problemas a qualquer regime cambial. Trata-se da ausência de um sistema confiável, no longo prazo, de financiamento do setor público.
A busca de soluções criativas torna-se ainda mais premente quando aumentam os riscos de escalada da inflação e prolongamento de uma política de juros elevados.
Entre as prioridades figuram os problemas de financiamento dos governos estaduais e da previdência social. Há também a proposta do encontro de contas entre União e Estados, viabilizando a renegociação das dívidas estaduais e os passivos previdenciários, uma das propostas que, mesmo não sendo nova, até hoje nunca recebeu a devida atenção. O colunista desta Folha, Luís Nassif, vem recuperando esse debate.
Alguns governadores também começam a dar maior atenção ao tema e talvez constituam uma linha de frente na construção dessa alternativa. Em linhas gerais, trata-se de criar fundos estaduais, lastreados em ativos que serão vendidos (ou seja, privatizados) ao longo do tempo. Os recursos garantiriam a solvência dos compromissos previdenciários dos governos estaduais. Previamente, seriam zeradas as pendências de dívidas entre União e Estados.
Os detalhes técnicos desse encontro de contas, em termos financeiros e jurídicos, exigirão um esforço nada desprezível de coordenação entre os Executivos federal e estaduais.
Não é difícil entender porque esse tipo de proposta nunca prosperou. Afinal, trata-se de uma forma pragmática ou indireta de admitir que o estoque de dívidas do setor público é impagável sob as atuais condições. Naturalmente, a mera hipótese de admitir esse quadro sempre foi considerada como a ante-sala de uma crise mais ampla de credibilidade na solvência do governo.
Entretanto, essa credibilidade já está a tal ponto arranhada e as condições de financiamento da dívida estatal aproximam-se a tal ponto da inviabilidade que, a rigor, a proposta de uma reestruturação patrimonial pode ser o menor dos males.
Está em jogo nada menos que a possibilidade de construir um novo regime fiscal no Brasil, mudança que vem sendo tentada há anos e que exigirá, ainda, passos na direção de uma reforma tributária mais ampla.
O acerto contribuiria para a recuperação da credibilidade dos governos, sobretudo porque vai se dar sob uma legislação mais rigorosa contra os crimes de responsabilidade fiscal.
Mais que nunca, o país precisa evitar o velho vício de fazer arranjos de ocasião, que premiam os maus gestores do passado e transferem o ônus da conta para as gerações futuras.


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