São Paulo, Domingo, 28 de Fevereiro de 1999
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O lobo e o cordeiro

CARLOS HEITOR CONY


Rio de Janeiro - Outro dia, li no noticiário que já começam a falar em trincheira. Parece que ainda é uma metáfora, uma licença poética, alguma coisa assim. Sem entrar no mérito da briga entre Minas e governo federal, achei a idéia boa.
A taxa de desemprego no país anda alta e a tendência é subir mais. Ao longo da história, sempre que a população crescia em tempos de paz, havia uma guerra para absorver mão-de-obra e manter a humanidade em patamares decentes, sem o inchaço das cidades e aldeias.
Assim foram formados os exércitos que, andando de um lado para o outro, criaram impérios, reinos, ducados, colônias etc. Brecht, acho que em ""Mãe Coragem", faz um personagem elogiar a guerra, que pelo menos em termos de economia e mercado regulariza as coisas, cortando o supérfluo, mantendo os estoques básicos e evitando a explosão demográfica que cria problemas inúteis para o Estado.
Para uma boa guerra é preciso um motivo, que nem precisa ser bom. Qualquer um serve. Na fábula de Esopo, além de ser o mais fraco, o cordeiro encheu o saco do lobo ao exigir um motivo decente para ser engolido.
O lobo podia integrar a equipe econômica de qualquer governo tutelado pelo FMI. Em vez de um, deu dois bons motivos para comer o cordeiro. O primeiro até que não colou: o cordeiro estaria sujando a água que o lobo bebia. ""Mas como?" -estranhou o cordeiro. ""Você está em cima, eu estou em baixo, a água do rio passa primeiro por você, se alguém suja a água é você que suja a minha!"
O lobo foi tão paciente quanto os fiscais do sr. Camdessus. Deu outro motivo: ""No ano passado, seu pai sujou a minha água". E comeu o cordeiro.
De Esopo para cá, a razão sempre esteve com o lobo. Não havia desemprego então, de maneira que hoje a guerra entre os dois é mais necessária. Quanto menos cordeiro, mais farta será a água do rio.


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