|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JOSÉ SARNEY
Não chorem por mim
Todo desastre político é sempre uma soma de erros. Os efeitos
da guerra do Iraque continuarão por
um tempo imprevisível mesmo depois de seu término. Eles deixarão lições do que se deve e do que não se deve fazer.
A primeira conclusão a que se chega
é a de que houve um monumental desastre diplomático. O governo dos Estados Unidos falhou em todos os passos porque desejou um apoio diplomático posterior para uma decisão de
força anterior: a guerra. Daí a inutilidade do trabalho de construção da
justificativa de armas de destruição
em massa, de ameaça à paz mundial,
do perigo de armas químicas e tudo o
mais que não convenceu ninguém.
Nem o respeitável Colin Powell escapou, submetido ao papel de mostrar
na ONU documentos adulterados. A
única motivação subsistente foi a existência de um ditador execrável, Saddam Hussein, responsável por um dos
governos mais cruéis da história contemporânea. Mas não foi certamente
por isso que Bush fez a guerra. Ele a fez
como um ajuste de contas inserido
nos episódios de 11 de setembro. Ninguém o condenou pela invasão do
Afeganistão, que foi compreendida e
apoiada, justificada pela brutalidade
dos atentados terroristas, comandados pelo Taleban. Nenhum vínculo de
Saddam com eles foi achado.
O fanático Bin Laden, outra figura
abjeta, patológica e desumana, em
quem as coisas começam, valeu-se da
causa árabe e islâmica para perpetrar
seu crime inqualificável. Sua demência despertou outras, e a soma delas
está no panorama da crise. Conseguiu
detonar duas guerras, obrigou à reformulação de sistemas de segurança e
controle de movimentação de pessoas
no mundo, modificou leis de garantias individuais, fez que bilhões de dólares fossem desviados para armas e
equipamentos, destruiu as Nações
Unidas, afastou a Europa dos Estados
Unidos.
Ali, o primeiro erro foi a eleição de
Bush, minoritário na população americana. Para legitimar-se, buscou a
pior de todas as legitimidades: a imagem de senhor da guerra, mão forte e
vingador.
O mundo inteiro ficou ao lado dos
Estados Unidos contra o terror. De todos os lugares saíram demonstrações
de solidariedade e de condenação. Era
a hora da coesão e da diplomacia da
unidade mundial para enfrentar os
problemas que ameaçam a humanidade.
Infelizmente, esse momento foi jogado fora. Queima-se a bandeira americana em todas as partes; multidões e
multidões saem às ruas em protesto.
Às imagens de revolta dos mortos de
Nova York contrapõe-se o inferno dos
bombardeios de Bagdá. Surge o titulo
da operação no Iraque: "Choque e Pavor"!
O mínimo que se pode dizer é que
Bush não esteve à altura do desafio
histórico. Sofro pelos Estados Unidos,
país pelo qual tenho grande admiração, de onde saíram para o mundo as
idéias de liberdade e de direitos humanos. Pátria de Lincoln e Roosevelt, de
Jefferson e Washington.
Bush fez o jogo de Bin Laden e Saddam. Desestabilizaram o Ocidente, estenderam o pavor a todas as partes. É a
hora de lembrar a canção a Evita Perón: "Não chorem por mim".
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Marcelo Beraba: Mais mortes Próximo Texto: Frases
Índice
|