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CLÓVIS ROSSI
A verdadeira UTI
SÃO PAULO - Seria de causar indignação, não estivéssemos quase todos
já viciados, a afirmação do ministro
Antonio Palocci Filho, referendada
pelo presidente da República, de que
o país saiu da UTI.
Pelo amor de Deus, ministro, ligue
a televisão, pelo menos.
De que UTI estamos falando? Se for
apenas das mandracarias dos mercados financeiros, tudo bem. Pode até
ser que o Brasil esteja saindo dela.
Mas, se estamos falando de vida real,
francamente, ministro, o Brasil está
hoje mais perto do necrotério do que
da saída da UTI.
O senhor se deu ao trabalho, ministro, de ler as estatísticas de desemprego? De queda de renda? Ou o mais recente levantamento do IBGE sobre a
concentração de renda, que continua
obscenamente desigual neste país faz
500 anos?
O senhor acredita, honestamente,
que o seu governo fez, até agora, algo
que possa, mesmo num futuro remoto, mudar essa obscenidade, que é,
bem-feitas as contas, a chaga principal que levou o país à UTI?
Ou o senhor acredita que a molecada do JP Morgan que faz os cálculos
de risco-país é que realmente sabe
quais são os problemas da pátria?
Admitamos, vá, só para não aborrecê-lo muito, que tudo o que foi feito
até agora era necessário, indispensável, bonito, lindo, em face da famosa
"herança maldita". Daí, no entanto,
a dizer que o país saiu da UTI é ofender a massa de gente que se mata, dia
após dia, atrás da perspectiva de um
emprego de gari (não do emprego
propriamente dito), representantes
típicos de uma penca de pessoas que,
ou estão desempregadas, ou temem
perder o emprego.
Para não falar em todas as demais
filas -do INSS, dos hospitais públicos, de um ensino de baixa qualidade, da violência-, enfim, de todas as
verdadeiras doenças da pátria. UTI,
ministro, é isso tudo, não é o dólar
nem o risco-país.
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