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ELIANE CANTANHÊDE
Dolorosa decisão
BRASÍLIA - José Sarney perdeu a
guerra da opinião pública e enfrenta agora outra guerra, em que ele é
estrategista há meio século: a política. Trata-se de vida ou morte para
este quase octogenário, último
grande coronel da política brasileira com a saída de cena de ACM.
Sarney sabe guerrear e tem tropa
e armas para evitar a renúncia à
presidência. A mais poderosa delas
é o apoio de Lula, a quem ele gritou
por socorro na última quinta, quando soltou nota dizendo-se vítima de
um complô político por (imagine!)
ser aliado do governo e de Lula.
Parece piada, ou um contorcionismo esquizofrênico, já que Sarney é apoiado pelo oposicionista
DEM e se sente apunhalado pelos
petistas Tião Viana e Aloizio Mercadante. Mas é uma clara tentativa
de usar Lula para aglutinar PT, esquerdas e aliados em geral no seu
exército da salvação.
A segunda grande arma de Sarney é a falta de opções para substituí-lo. Ele próprio foi eleito por eliminação. Não havia outro. E não há.
Uma regra na política é nunca deixar o vácuo para o adversário, para
o azar, para surpresas. Até Collor só
caiu depois de Itamar estar maduro
no meio político, na mídia, no empresariado e até na área militar. Primeiro, constrói-se o sucessor. Depois, abre-se a vaga.
A situação, pois, está no seguinte
ponto: Sarney não tem condições
de ficar, mas quer e tem de ficar, enquanto Lula se move para garantir-lhe sustentação e a dupla PMDB e
DEM tenta salvar sua hegemonia
de muitos anos no Senado, rezando
por uma trégua do "inimigo" invisível que devassa as velhas práticas
patrimonialistas dos Sarney. A munição acabou? Improvável.
Se, ao contrário de ACM, Jader e
Renan, Sarney resistir, deve saber
que mudar o final do filme é mudar
também o papel do protagonista. O
risco é deixar de ser presidente de
fato e se contentar com a constrangedora posição de fantasma rondando a própria cadeira. Com todo
o respeito, ele jamais será o mesmo.
elianec@uol.com.br
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