São Paulo, quarta-feira, 28 de julho de 2004

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CLÓVIS ROSSI

A festa das migalhas

MADRI - Pobre Brasil. Basta uma migalha aqui, outra ali, e parece que a pátria está salva.
Os jornais estão carregados de manchetes otimistas, falando do aumento da atividade econômica, da queda do desemprego, de um leve aumento da renda.
Ótimo. Ninguém pode ser contra qualquer melhora em uma situação sufocante. Mas não dá para perder a perspectiva. É só comparar com o que se diz na Coréia do Sul, país em que o Instituto de Desenvolvimento da Coréia (uma espécie de Ipea local) reduziu a estimativa de crescimento para 2004 de 5,5% para 5,2%.
No Brasil, 5% seria o sonho dos sonhos para o governo, um sinal de que a crise foi definitivamente deixada para trás, de que o país já está pertinho do Primeiro Mundo.
Na Coréia, escreve Ro Sung-tae, editorialista do jornal "JoongAng": "Uma sensação de crise está se espalhando dia a dia, com medo de que, quando as exportações caírem, nossa economia possa mergulhar em uma recessão de longa duração".
O contraste não poderia ser mais eloqüente. Na Coréia, 5% parecem a ante-sala de uma tragédia; no Brasil, a suprema conquista.
Detalhe: a Coréia já resolveu problemas (educação e desigualdade, por exemplo) que o Brasil não consegue encarar, seja o crescimento alto, médio, baixo ou nulo.
Outro exemplo: a queda do desemprego na região metropolitana de São Paulo. Em um ano, recuou de 20,3% para 19,1%. Claro que é melhor que tenha recuado, mas convenhamos que um mínimo de perspectiva obriga a dizer que é tremendamente insuficiente.
Nos países europeus, em que o desemprego é também um problema, 10% vira motivo de alarme. Imagine o leitor o que não aconteceria se fosse o dobro, como é na principal região brasileira. Não obstante, no Brasil se comemora sem muitas reticências.
É bem provável que uma das principais causas do atraso brasileiro seja exatamente essa característica de conformar-se com tão pouco.


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