São Paulo, quinta-feira, 28 de julho de 2005

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CARLOS HEITOR CONY

O Barba Roxa e o Arruda

RIO DE JANEIRO - Estava em Salzburgo, acompanhando o festival que lá se realiza, peguei o carro, atravessei a fronteira da Áustria com a Alemanha e dei um pulo em Obersalzberg. Queria ver a formidável montanha Untersberg, famosa nas sagas germânicas. Uma lenda garante que nas suas entranhas, no seu ventre de pedra e neve, o imperador Frederico 1º ali está dormindo o seu sono de muitos séculos.
Verdadeira ou não, a lenda inspirou outros imperadores que tudo fizeram para realizar o sonho expansionista de Frederico 1º, que entre outras coisas, devia ter uma barba roxa, pois passou para história oficial como o Barba Roxa.
Pulando de Obersalzberg para o campo do Vasco da Gama, aqui mesmo, na rua São Januário (RJ), tivemos a lenda do sapo do Arruda, sobre a qual já escrevi algumas vezes. Um torcedor do São Cristóvão, chamado Arruda, ficou indignado com a surra que o Vasco deu no seu time: 12 a 0. Apesar de habituado a derrotas, Arruda achou que era demais.
Alta noite, pulou o alambrado do campo adversário, enterrou um sapo mumificado no círculo central, murmurou algumas palavras cabalísticas para reforçar os efeitos malignos do sapo e deu o fora.
Durante os anos seguintes, o Vasco passou a perder todas as partidas que jogava em seu campo. A diretoria consultou-se em tendas especializadas, tomou conhecimento do sapo, contratou escavadeiras, arrebentaram todo o gramado, não houve ossinho de galinha que escapasse da varredura. E o Vasco voltou a ganhar quando jogava em casa.
Com o exemplo do Barba Roxa e do Arruda, fico pensando onde estará enterrada a mandinga que nos inspire a altos destinos ou nos entrava em nossos caminhos. Olho a pedra monumental do Pão de Açúcar, examino com atenção a rocha colossal do Corcovado, aqui em frente da minha varanda. Tento descobrir alguma coisa dentro delas. Não deve haver nenhum imperador ali, dormindo um sonho majestoso e secular. Sou mais o sapo do Arruda.


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