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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
A cultura do patrocínio
Os debates em torno do suposto
"dirigismo cultural" no início do
governo Lula, liderados pelo cineasta
Cacá Diegues, embora úteis para colocar a questão na esfera do Ministério
da Cultura e reiterar compromissos
com o pluralismo e a liberdade de expressão, acabaram servindo mais para
turvar do que para iluminar algumas
questões relativas ao modo como está
organizado o patrocínio à cultura.
O ponto principal da agenda não é
discutir se devemos combater um Estado autoritário que, de esquerda ou
não, dita o cânone cultural e persegue
a arte "decadente". Não houve nem há
no horizonte nenhuma revolução socialista ou movimento fascista que
mesmo remotamente nos ameace
com algo semelhante. Além disso, boa
parte da cultura no Brasil, como se sabe, não depende diretamente de amparo do governo, já tendo encontrado
forte enraizamento no mercado.
Isso não significa, de forma alguma,
que o Estado deva se ausentar ou abdicar de políticas para a produção cultural, especialmente aquela que não encontra sustentação econômica. A cultura possui uma indiscutível dimensão pública, é constitutiva da identidade nacional e deve merecer apoio e recursos públicos. Também para isso
foram criadas as leis de incentivo fiscal
ao investimento em cultura.
A idéia inicial parecia ser a de estimular a formação de novos investidores, permitindo àqueles que destinassem recursos à área reavê-los, em parte, pela isenção de impostos. Dessa
forma, o governo estaria concordando em destinar dinheiro público à cultura (impostos não pertencem às empresas), incentivando uma espécie de
parceria com a iniciativa privada para
dinamizar o setor.
No período Francisco Weffort, no
entanto, promoveu-se um disparate:
as empresas passaram a ter isenção integral de impostos para "investir" em
cultura. As aspas justificam-se pelo
simples fato de que a maior parte delas
passou a nada investir. Apenas destinam verbas do governo (impostos) às
iniciativas culturais que selecionam.
Os critérios de seleção, obviamente,
tendem a se subordinar ao interesse
de marketing, favorecendo apostas
em projetos que pareçam mais capacitados a obter êxito no circuito comercial e ganhar espaço na mídia. Ou seja,
justamente aqueles que, pelo potencial de obter retorno, deveriam receber apoio de verdadeiros investidores
(aqueles cuja formação a lei iria estimular ao longo do tempo), e não doação de recursos públicos.
Desnecessário dizer que se criou
uma indústria para captar essas verbas nos guichês das empresas (inclusive as públicas), na qual se alojaram interesses poderosos. Desnecessário dizer, também, que o acesso à decisão
empresarial é tão mais fácil quanto
mais bem relacionado e posicionado
for o captador. Temos, então, uma bela inversão: dinheiro público distribuído por empresas segundo interesses de marketing ou ao sabor de projetos que, em muitos casos, deveriam
merecer investimento privado, e não
governamental.
Mais do que fantasmagorias sobre
dirigismo cultural, esse sistema deveria merecer melhor consideração na
agenda de nossos ideólogos e polemistas culturais, ainda que dele possam ser alguns dos beneficiários.
Marcos Augusto Gonçalves é editor de Opinião da Folha. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Otavio Frias Filho, que escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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