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São Paulo, quinta-feira, 28 de agosto de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

Edição final

RIO DE JANEIRO - Num debate com estudantes, me perguntaram o que faltava para que o homem, a história, o mundo enfim, tivessem um sentido. Sinceramente, eu nunca me fizera essa indagação e me considero a pessoa menos indicada para uma resposta que não seja demente, como as que costumo dar quando não entendo ou não estou por dentro de um assunto.
A circunstância de estar sentado atrás de uma mesa, com um microfone e um copo d'água à frente, me impediam de dar um vexame, respondendo com honestidade: não sei. Afinal, aquelas pessoas ali estavam para saber o que eu julgo saber. E não para saber que eu nada sei.
Disse que falta à história e ao mundo uma edição final, a mesma edição que é feita no cinema, nos espetáculos, nos documentários e nos textos publicados na mídia. O mundo, a história e o homem não passam de um "making of", uma sucessão atabalhoada de cenas, frases, personagens, emoções, pontos de vista (ou de câmara) que necessitam de uma montagem posterior, na mesa de edição ou nas antigas moviolas dos laboratórios de cinema.
São infinitas tomadas, lavras subterrâneas vomitadas por vulcões, animais estranhos nas profundezas dos mares, guerras e massacres idiotas, cidades erguidas e destruídas, e de repente um sujeito cabeludo compondo a Nona Sinfonia e a estátua gigantesca de uma mulher quase nua num museu. Um homem matando outro, uma criança morrendo de fome, um barco solitário no oceano, um cogumelo de fogo subindo do chão, uma enfermeira tirando a pressão de um doente e dizendo: "16 por 10. Está alta!".
Que sentido pode ter tudo isso? Evidente que não há um roteiro prévio, as locações são aleatórias, os diálogos, improvisados, o "making of" está sendo feito há bilhões de anos, com bilhões de intérpretes, bilhões de cenários.
Quando virá um editor final para dar sentido a tudo?


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