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CARLOS HEITOR CONY
Edição final
RIO DE JANEIRO - Num debate com
estudantes, me perguntaram o que
faltava para que o homem, a história,
o mundo enfim, tivessem um sentido.
Sinceramente, eu nunca me fizera essa indagação e me considero a pessoa
menos indicada para uma resposta
que não seja demente, como as que
costumo dar quando não entendo ou
não estou por dentro de um assunto.
A circunstância de estar sentado
atrás de uma mesa, com um microfone e um copo d'água à frente, me impediam de dar um vexame, respondendo com honestidade: não sei. Afinal, aquelas pessoas ali estavam para
saber o que eu julgo saber. E não para
saber que eu nada sei.
Disse que falta à história e ao mundo uma edição final, a mesma edição
que é feita no cinema, nos espetáculos, nos documentários e nos textos
publicados na mídia. O mundo, a
história e o homem não passam de
um "making of", uma sucessão atabalhoada de cenas, frases, personagens, emoções, pontos de vista (ou de
câmara) que necessitam de uma
montagem posterior, na mesa de edição ou nas antigas moviolas dos laboratórios de cinema.
São infinitas tomadas, lavras subterrâneas vomitadas por vulcões,
animais estranhos nas profundezas
dos mares, guerras e massacres idiotas, cidades erguidas e destruídas, e
de repente um sujeito cabeludo compondo a Nona Sinfonia e a estátua
gigantesca de uma mulher quase nua
num museu. Um homem matando
outro, uma criança morrendo de fome, um barco solitário no oceano,
um cogumelo de fogo subindo do
chão, uma enfermeira tirando a pressão de um doente e dizendo: "16 por
10. Está alta!".
Que sentido pode ter tudo isso? Evidente que não há um roteiro prévio,
as locações são aleatórias, os diálogos, improvisados, o "making of" está sendo feito há bilhões de anos,
com bilhões de intérpretes, bilhões de
cenários.
Quando virá um editor final para
dar sentido a tudo?
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