São Paulo, terça-feira, 28 de agosto de 2007

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CLÓVIS ROSSI

Cassino, cães e homens

SÃO PAULO - Na tabela que esta Folha publicou sábado sobre "rating" de países segundo as agências de avaliação de risco, o Brasil aparece atrás de El Salvador.
Não vou nem insistir no fato de que tais agências fracassaram redondamente na avaliação do risco na crise imobiliária. O fato de a União Européia ter aberto investigação a respeito basta para demonstrar que nem todo o mundo se deixa fascinar pelas miçangas dos novos colonizadores.
O interessante é analisar El Salvador como risco. Ontem, o jornal espanhol "El País" mostrou que a taxa de homicídios, em 2006, foi de 68 por 100 mil habitantes, com o que "se aproxima perigosamente dos índices registrados durante conflitos armados".
Para comparações: acima de dez homicídios por 100 mil habitantes já é "epidemia", pela contabilidade da Organização Mundial da Saúde.
O Brasil está em 27 por 100 mil habitantes -acima, portanto, do nível epidêmico, mas imensamente abaixo de El Salvador. No entanto, para as agências de "rating", o risco é maior. Conheço El Salvador da guerra.
Um dia de 1982, véspera da eleição presidencial, fui a Usulután, que a guerrilha ameaçava tomar justamente para embaçar a votação.
Ficamos perto do fogo cruzado na entrada da cidadezinha, dentro dela (helicópteros artilhados do Exército alvejavam tudo o que se movesse no solo) e na estrada, na volta para San Salvador.
Neste último incidente, nos salvou só a extrema habilidade do motorista que havíamos contratado, o Rolando, veterano de missões de guerra com a mídia. Já na entrada de San Salvador, Rolando atropelou um cachorro. O baque foi o enésimo susto do dia. Rolando filosofou: "Aqui é mais comum matarem homens que cachorros".
Parece que as agendas de "rating" usam a lógica de Rolando para medir riscos.

crossi@uol.com.br


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