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ELIANE CANTANHÊDE
Saia justa
BRASÍLIA - O lançamento do livro "Direito à Memória e à Verdade", amanhã, no Palácio do Planalto, será um desafio de bom tamanho para Lula. Trata-se do primeiro
documento oficial do governo assumindo que os agentes da repressão
política -leia-se: os militares- torturavam, estupravam, matavam e
decapitavam seus adversários, muito deles quase meninos.
Se a esquerda e as famílias das vítimas vão ficar bastante satisfeitas,
os militares estão reagindo mal. Em
resumo, consideram que o livro é
extemporâneo, não acrescenta nada ao que todo mundo já sabe e,
portanto, significa uma provocação
descabida. E acusam: o secretário
de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, responsável pela publicação,
foi ele mesmo preso político e torturado. Logo, é parte envolvida. O
livro reproduziria, assim, apenas
um lado da história.
Para os autores, a divulgação tem
o objetivo de superação de um passado que ninguém quer que se repita, sob nenhuma circunstância. Para os militares, apenas reabre feridas e estimula o que classificam de
"indústria das indenizações" dos
presos políticos da ditadura.
Os relatos do livro, já reproduzidos em parte pela Folha, são horripilantes e chamam a atenção para
vítimas que não são "mortos ou desaparecidos", mas que não suportaram sobreviver e se suicidaram depois.
O maior exemplo é o de Frei
Tito, mas ele não foi o único.
Enquanto os relatos remexem
dores tão recentes da nação, as Forças Armadas vão dando sinais de
profissionalismo, disciplina e submissão ao poder político -um poder de esquerda, liderado hoje pelos adversários de antes.
No lançamento, Lula terá de se
equilibrar entre esses dois pratos
da balança, obrigado a criticar duramente a tortura do passado e
compelido a elogiar as Forças Armadas do presente. Uma saia justa,
mesmo para um craque na negociação e na contemporização.
elianec@uol.com.br
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