São Paulo, terça-feira, 28 de agosto de 2007

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ELIANE CANTANHÊDE

Saia justa

BRASÍLIA - O lançamento do livro "Direito à Memória e à Verdade", amanhã, no Palácio do Planalto, será um desafio de bom tamanho para Lula. Trata-se do primeiro documento oficial do governo assumindo que os agentes da repressão política -leia-se: os militares- torturavam, estupravam, matavam e decapitavam seus adversários, muito deles quase meninos.
Se a esquerda e as famílias das vítimas vão ficar bastante satisfeitas, os militares estão reagindo mal. Em resumo, consideram que o livro é extemporâneo, não acrescenta nada ao que todo mundo já sabe e, portanto, significa uma provocação descabida. E acusam: o secretário de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, responsável pela publicação, foi ele mesmo preso político e torturado. Logo, é parte envolvida. O livro reproduziria, assim, apenas um lado da história.
Para os autores, a divulgação tem o objetivo de superação de um passado que ninguém quer que se repita, sob nenhuma circunstância. Para os militares, apenas reabre feridas e estimula o que classificam de "indústria das indenizações" dos presos políticos da ditadura.
Os relatos do livro, já reproduzidos em parte pela Folha, são horripilantes e chamam a atenção para vítimas que não são "mortos ou desaparecidos", mas que não suportaram sobreviver e se suicidaram depois.
O maior exemplo é o de Frei Tito, mas ele não foi o único.
Enquanto os relatos remexem dores tão recentes da nação, as Forças Armadas vão dando sinais de profissionalismo, disciplina e submissão ao poder político -um poder de esquerda, liderado hoje pelos adversários de antes.
No lançamento, Lula terá de se equilibrar entre esses dois pratos da balança, obrigado a criticar duramente a tortura do passado e compelido a elogiar as Forças Armadas do presente. Uma saia justa, mesmo para um craque na negociação e na contemporização.

elianec@uol.com.br


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