São Paulo, sábado, 28 de agosto de 2010

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A confusão do pré-sal

Capitalização da Petrobras para explorar novas reservas segue roteiro problemático que pode ser prejudicial aos acionistas e ao próprio país

No processo de capitalização da Petrobras, o governo politiza a definição de preços de mercado e do regime de propriedade de uma empresa que, embora sob controle estatal, tem suas ações negociadas na Bolsa. A União ao que tudo indica quer aproveitar a ocasião para aumentar sua presença na Petrobras. Para tanto, pretende trocar barris de petróleo das reservas do pré-sal por novas ações.
Há incertezas sobre o tamanho das reservas do pré-sal, mas é plausível que cheguem a 100 bilhões de barris. O desafio de explorar estes recursos é colossal e demandará US$ 224 bilhões (cerca de R$ 390 bilhões) até 2014, segundo o plano da Petrobras. Como a empresa não tem recursos para tanto, será preciso promover uma capitalização, que já havia sido decidida desde o ano passado.
O usual num caso como esse seria fazer uma chamada de capital em dinheiro, a ser subscrita pelos acionistas na proporção de sua participação, sob pena de diluição -ou seja, de perda de posição em relação ao conjunto.
Os problemas começam pelo fato de a União, que possui 32% do capital, não dispor de recursos para subscrever sua parte.
Para contornar essa dificuldade o governo decidiu utilizar a chamada cessão onerosa, pela qual a União transferiria à empresa o equivalente 5 bilhões de barris na forma de títulos públicos, que seriam resgatados ao longo do tempo em troca da produção. É um caminho cercado de riscos jurídicos e conflitos de interesse.
A Petrobras vinha indicando um preço de US$ 5 por barril, a ser confirmado por uma consultoria externa -o que permitiria a União subscrever até US$ 25 bilhões. Por extensão, os acionistas minoritários teriam que entrar com até US$ 50 bilhões em dinheiro para manter sua participação, o que não é nada trivial. Para que se tenha uma base de comparação, a maior operação de abertura de capital do mundo, feita pelo Agricultural Bank of China em julho último, levantou US$ 22 bilhões.
Ocorre que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) divulgou estudo realizado por uma consultoria com preço diferente, entre US$ 10 e US$ 12 por barril. Neste caso, os 5 bilhões de barris da União valeriam de US$ 50 bilhões a US$ 60 bilhões, o que demandaria correspondente aumento na subscrição privada para valores ainda mais proibitivos. O risco de fracasso da operação neste caso seria maior.
A divergência de preços não é estranha -as hipóteses técnicas variam em cada estudo. O que ela mostra de mais importante são os diferentes interesses envolvidos. Do lado da Petrobras busca-se obter o dinheiro para realizar os investimentos. Logo, um preço alto demais que espante o setor privado não deve ser bem visto.
Do lado do governo, o objetivo, naturalmente, é maximizar o valor para a União, ampliando sua presença na empresa.
No geral, a condução do processo tem sido confusa, e a proximidade da eleição só fez aumentar as dúvidas sobre o que realmente será feito. Enquanto o governo não se decide, a empresa, premida por falta de caixa, perde valor e vai levantando dinheiro onde pode -só em junho foram mais R$ 4,2 bilhões obtidos de bancos públicos.


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