São Paulo, sábado, 28 de setembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Um presidente amigo da criança

HÉLIO MATTAR

Ao cuidar de seus filhos, pais e mães não têm dúvida de que a educação, a saúde, o cuidado e o afeto são os elementos fundamentais para que a criança venha a se tornar um adulto com plena capacidade de cuidar da própria vida e da geração seguinte.
Infelizmente, esse não é o caso do nosso país. Ainda que tenha havido melhoras significativas em diversos indicadores, o Brasil está longe de oferecer, de fato, essa condição a todos os seus filhos.
Como exemplo, os dados do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) de 2002 nos mostram que a mortalidade infantil brasileira, de 32 por mil crianças nascidas vivas, ainda é cerca de quatro vezes a dos países mais desenvolvidos. Quase 300 crianças de até cinco anos de idade morrem todos os dias. E cerca de 75% dessas mortes poderiam ser evitadas.
Outro exemplo é o de que a média de anos de estudo, na população acima de 15 anos, é de apenas sete anos; que cerca de 42% das nossas crianças de quatro a seis anos não têm acesso à educação infantil; que cerca de 15% das mães e pais são analfabetos; e de que o Brasil foi o último colocado em uma pesquisa da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) em 2000 que testava jovens de 32 países em leitura, ciências e matemática.
Considerando o papel vital do governo na solução de grande parte dos problemas relacionados à infância e à juventude, a Fundação Abrinq lançou o projeto Presidente Amigo da Criança, buscando comprometer os candidatos com o único dispositivo constitucional em que é mencionada uma "prioridade absoluta": a implementação de políticas públicas voltadas às crianças e aos adolescentes.
O projeto se materializa com a assinatura de um termo de compromisso pelos candidatos que contempla inicialmente as 21 metas e indicadores com que o governo brasileiro se comprometeu na Sessão Especial pela Criança da ONU, realizada em maio deste ano. Divididas em quatro grupos -promover vidas saudáveis, prover educação de qualidade, proteger contra abuso, exploração e violência e combater o HIV/ Aids-, essas metas compõem uma agenda para os próximos dez anos.


Todos nós sabemos que entre o discurso de campanha e a prática do candidato eleito pode existir grande distância


Como exemplo, o Brasil deverá, nesse período, reduzir a mortalidade infantil e a materna em um terço, buscar erradicar o trabalho infantil, reduzir no mínimo em um terço a taxa de desnutrição de crianças menores de cinco anos e garantir educação de qualidade a todas as crianças e adolescentes.
O compromisso envolve também a obrigação de, se eleito, o candidato elaborar em seis meses um plano de ação contendo metas desafiadoras, nos 21 indicadores, para seus quatro anos de governo, bem como as atividades, cronogramas, órgãos responsáveis e a previsão orçamentária voltados ao cumprimento dessas metas e do referido plano.
De acordo com o termo de compromisso assinado com a Fundação Abrinq, o plano de ação deve ser discutido com organizações da sociedade civil e, em seguida, aprovado no Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. O candidato se compromete também a, ainda se eleito, garantir transparência à execução do plano, elaborando um relatório anual sobre as atividades e o atingimento das metas para apresentá-lo, pessoalmente, em audiência pública, a organizações da sociedade civil e a um grupo de jovens especialmente capacitados pela Fundação Abrinq para esse monitoramento.
Compromete-se também a garantir que os recursos necessários à execução do plano de ação sejam incluídos no Orçamento público e que, havendo necessidade de cortes orçamentários, outras verbas poderão ser cortadas, mas não aquelas destinadas a programas voltados a crianças e adolescentes.
Todos nós sabemos que entre o discurso de campanha e a prática do candidato eleito pode existir grande distância. Mas sabemos também que vontade política é o primeiro passo para que o discurso se traduza em ação. A assinatura do termo de compromisso pelo candidato demonstra essa vontade política de planejar a gestão, definir planos consistentes com as metas a alcançar, garantir os recursos necessários às ações propostas e, principalmente, caminhar de mãos dadas com a sociedade, dando transparência às ações de governo, o que pode encurtar o caminho para levar as ações à prática e ajudar a driblar interesses políticos clientelistas.
A boa democracia exige que a atividade política seja, por excelência, negociar convergências e construir uma visão comum para a sociedade. Que convergência maior pode haver que a de dar condições a nossos jovens para que sejam adultos plenamente capacitados para a vida? Afinal, são 61 milhões de crianças e adolescentes no Brasil, o mesmo que toda a população da França ou da Itália.
O que justificaria termos um presidente só para as crianças e adolescentes brasileiros ou, no mínimo, que o futuro presidente fizesse da infância e da adolescência do país a prioridade das prioridades. E, com isso, criasse condições para que, em uma geração, o Brasil fosse de fato a mãe gentil de quem seus filhos todos pudessem se orgulhar.


Hélio Mattar, 55, engenheiro, é presidente da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente e do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente. Foi secretário do Desenvolvimento da Produção do Ministério do Desenvolvimento (1999-2000).



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