São Paulo, sábado, 28 de setembro de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Superando o discurso anticorrupção
NEISSAN MONADJEM
Religião deve ser encarada como fonte de conhecimento e motivação ética, de valores sem os quais coesão e ação coletiva dificilmente serão alcançadas. Foi da prática da orientação moral das religiões que grandes segmentos da humanidade desenvolveram qualidades que conduziram à ordem social, ao progresso cultural e à obediência às leis, fundamentos do combate à corrupção. O conjunto de capacidades necessárias para aperfeiçoar o tecido social, econômico e moral da coletividade depende dos recursos tanto do intelecto como do espírito humano. Deles emanam virtudes que impulsionam a verdadeira cidadania em nossa sociedade. Características como a honestidade, o dever e a lealdade, tão centrais ao progresso humano, são, porém, muito raras no processo político que caracteriza estas eleições. O aperfeiçoamento do arcabouço legal, mesmo que essencial na construção de um Brasil transparente, é limitado em sua eficácia. Utilizar também as raízes que se encontram no propósito da vida humana é acionar um impulso que pode assegurar uma transformação social genuína da realidade brasileira. O surgimento de instituições públicas que gerem confiança e que estejam livres da corrupção está intimamente ligado ao processo de desenvolvimento moral e à dignidade material de seus integrantes. A capacidade de qualquer governo de administrar mudanças e responder criativamente aos desafios à sua frente requer o desenvolvimento de habilidades cruciais, como a necessária para defender a justiça e a equidade e implementar decisões com franqueza e transparência. A mera adoção de salvaguardas legais, embora importante, não provocará por si só mudanças significativas de comportamento. Por outro lado, a história comprova que uma barragem de falso moralismo não "segura" enxurradas de corrupção que assolam o país. É cientificamente provado que mecanismos de controle minimizam significativamente a ação da corrupção, mas a criação de um ambiente público "livre da corrupção" depende também do incentivo à capacidade dos indivíduos. Para tanto, a educação é uma ferramenta indispensável. A colaboração crescente entre comunidades religiosas, organizações não-governamentais e instituições públicas, enfrentando os principais desafios sociais do país, é evidência da possibilidade de uma ação nacional coletiva, multipartidária e de longo prazo no sentido de desenvolver o tecido ético de nossa sociedade. Somente com a transformação concomitante de pessoas e instituições da sociedade é que a visão de um país livre da corrupção será alcançada. Esperamos que o próximo presidente eleito seja capaz de reconhecer esse fato e lutar sinceramente por essa visão. Neissan Monadjem, 42, arquiteto e empresário, é vice-presidente do Conselho Deliberativo da Transparência Brasil. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Hélio Mattar: Um presidente amigo da criança Próximo Texto: Painel do Leitor Índice |
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