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São Paulo, domingo, 28 de setembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O PT contra a classe média

JORGE BORNHAUSEN

O metalúrgico aposentado Luís Feitosa, de 66 anos (e muito provavelmente também Lula, apelido de 9 entre 10 Luizes pernambucanos), eleitor do PT, costuma dizer que entre as tranquilidades da sua velhice está o "seguro-moradia" que deixará para a nora, viúva do único filho, que é professora: uma casa em São Bernardo, que ele mesmo foi construindo, depois de comprar, nos anos 70, um lote distante que a expansão urbana transformou em zona valorizada. Lula Feitosa não sabe ainda, mas, na semana passada, o PT, partido em que vota há 20 anos, tentou destruir, perversamente, a tranquilidade do seu "seguro-moradia". E quase conseguiu.
Bastava que tivesse sido aprovado o artigo 155, par. 1º, item IV da reforma tributária, que estabelecia a cobrança de até 15% de imposto de herança -como a casa de Lula Feitosa já está avaliada em R$ 140 mil, a nora teria de pagar até R$ 21 mil de imposto para herdar o imóvel. Imagino o desapontamento que a constatação lhe causaria, um castigo injusto para um trabalhador que conseguiu chegar à aposentadoria na sua situação.
Pois o sonho do metalúrgico de São Bernardo foi salvo pelo PFL, que conseguiu derrotar o famigerado artigo 155, par. 1º, item IV da reforma, que criava a progressividade do imposto "causa mortis" em até 15%. E foi salvo, ressalte-se, quando um dos seus vice-líderes, o deputado alagoano José Thomaz Nono, precisou sacudir o estado de apatia com que a Câmara se rendia à insanidade petista, alertando: "Não vamos aprovar uma burrice como esta!".
Sob o impacto da palavra "burrice", que gerou reclamações dos petistas que colocaram a carapuça, a Câmara acordou e derrotou o famigerado aumento do imposto de herança, que hoje é de 4% -aliás, a única derrota do governo na sua cavalgada para aprovar o maior conjunto de aumento de impostos no Brasil.
O exemplo hipotético do início do texto desmente e expõe de forma gritante a mentira, insistentemente repetida pelo governo do PT, de que não está propondo aumento de impostos, mas apenas racionalizando e promovendo "justiça tributária".
Refletindo sobre esse desencontro entre a verdade das propostas da reforma tributária e a incoerência das declarações, do próprio presidente Lula, de que não haverá aumento da carga tributária, pode-se concluir que essa contradição talvez resulte de uma mudança de ótica do PT. É que, na euforia com que desfrutam os luxos e riquezas do poder (basta verificar o número excessivo de ministros, os gastos com passagens aéreas e as licitações para o consumo de tecidos de "algodão egípcio"), os petistas esqueceram as dificuldades da classe média, que hoje não é mais a "pequena burguesia" ou a aristocracia empobrecida, mas é dominada por metalúrgicos como o nosso imaginado Lula Feitosa.


Os petistas esqueceram as dificuldades da classe média, que hoje não é mais a "pequena burguesia"


Sim, porque o aumento de até 15% do imposto da herança altera pouco a vida dos ricos, que, além de recursos para pagá-lo, têm à disposição artifícios engendrados por grandes tributaristas, que sempre encontram brechas na lei para evitar ou amenizar o pagamento do tributo.
Já na classe média -tomei o caso figurado do metalúrgico, mas poderia citar outros segmentos, como militares, servidores públicos, jornalistas-, as viúvas, filhos, noras teriam dificuldades em pagar os 15% de imposto para receber ou para registrar a herança dos próprios apartamentos onde vivem ou, eventualmente, uma casinha de praia.
Imagino que os tributaristas que assessoram o governo do PT ou são extremistas radicais que odeiam a classe média, ou advogados especializados em atender clientes ricos e que assumiram uma visão daltônica por deformação profissional. Trata-se de uma desconfiança que nasceu quando analisávamos, no PFL, os efeitos do último aumento da "Confins dos bancos", tributo que incide sobre empréstimos bancários. Ora, enquanto a retórica oficial tentava vender a idéia de que se tratava de punir os banqueiros -esses malditos, conforme o maniqueísmo primário que adotam-, fomos alertados para o fato de que o tal imposto não é pago pelos bancos, mas descontado dos tomadores de empréstimos.
Por exemplo: a tal Cofins dos bancos está embutida nas taxas do cheque especial. E não é preciso esforço de imaginação para concluir quem foi atingido, posto que o recurso ao cheque especial tornou-se uma tábua de salvação da classe média nos apertos de fim de mês.
Aliás, os próprios ricos, que hoje são os aliados preferenciais do governo Lula (aos mais pobres restam projetos demagógicos, assistencialistas e retrógrados, que procuram cultivar e confinar a pobreza), mostram-se preocupados com o desprezo com que a classe média é tratada no Brasil. A reforma tributária, pelo menos, volta-se contra ela.
Querem mais exemplos de ataques contra a classe média?
O novo IPVA para "veículos aéreos ou aquáticos", justificado para atingir jatinhos e lanchas de ricos, vai onerar passagens aéreas e barcos de passageiros e cargas; os alimentos e medicamentos que hoje têm alíquota zero, agora terão a "menor alíquota", ou seja, passarão a ser tributados; o Imposto de Transmissão Intervivos, hoje de 2%, passará a ser progressivo. Sem falar que a CPMF, que em janeiro cairia para 0,08%, subirá para 0,38%.
É muita desfaçatez o governo dizer que não está aumentando a carga tributária. Insanidade é dizer o contrário.


Jorge Bornhausen, 65, senador pelo PFL-SC, é o presidente nacional do partido.


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