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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Eleição é sobre o futuro
O assunto de qualquer eleição é
o futuro, não o passado. É o que
deve ser e, mesmo nas democracias
mais falhas e nas sociedades mais desiguais, é o que é. Há duas indagações
primordiais em eleição. Quais são as
tarefas da próxima etapa? Quem, entre os elegíveis, pode melhor executá-las? Quando, como ocorre no Brasil,
os partidos são frágeis, a televisão
mais importante vive mancomunada
com o poder, a comunicação eleitoral
se faz com truques milionários e quase
todas as correntes adotam o mesmo
discurso açucarado e mentiroso de
centro-esquerda, uma neblina encobre a política. O eleitor fica obrigado a
exercer sua intuição para penetrá-la.
O passado, de cada candidato, de cada partido, ou de cada experiência nacional ou local, conta, porém só como
indício, entre outros, do que pode
acontecer no futuro. Um governante
pode ser bem avaliado, ou até melhorar de avaliação, e ser contudo destituído sem cerimônia pelo eleitorado
na próxima eleição. Basta que a maioria julgue que as tarefas do momento
seguinte sejam outras e que haja outro
melhor para executá-las. Assim fizeram os britânicos quando despediram
Churchill logo depois de haver ele
concluído vitoriosamente e com brilho ímpar uma guerra que pusera tudo em risco.
Errado supor que casos como esse
sejam excepcionais; são manifestações dramáticas de regra geral. A política eleitoral das democracias não é
rodada de cerimônias para distribuir
prêmios aos que mostraram melhor
desempenho; é luta a respeito do futuro. Disse Suetônio que a ingratidão
para com seus grandes homens é marca dos povos fortes. A ingratidão para
com os governantes, grandes ou pequenos, é marca das democracias, ainda que relativas.
Tudo isso ajuda a entender as eleições municipais de 2004 e sobretudo a
sucessão presidencial de 2006. As baixas expectativas do eleitorado, que parece conformado com o atual governo
como mal menor, os acertos pecuniários entre os detentores do poder e os
detentores do dinheiro, a frágil e estreita recuperação da economia, a desmoralização deliberada da idéia de alternativa nacional que reconcilie desenvolvimento com justiça e a cooptação de muitos dos partidos e das personalidades que poderiam representar a alternativa transformadora convencem muitos que está assegurada a
reeleição do presidente.
Não está. Há imensa frustração no
país. Oportunidade e direito são as
duas grandes reivindicações -entrelaçadas- da nação. Oportunidade, de
emprego, empreendimento e ensino,
para dar vez aos esforçados. Direito
para conter e mudar o ambiente de favoritismo, de conluio e de vale-tudo
que corrompe nossa vida nacional.
Todo o mundo sabe que é difícil construir força e candidatura que respondam a essas reivindicações. Nenhuma
das duas grandes coalizões que dominam hoje nossa política tem credibilidade para fazê-lo. A independência,
tanto da mídia quanto dos partidos,
está comprometida. E é difícil, para
pessoas ou para mensagens, se tornarem conhecidas em todo o Brasil.
A outra metade da história, porém, é
que o país, aparentemente resignado a
seu destino, quer outro destino. Quer
muito. Quer tanto que está à busca de
quem o ajude a sair desse. Não lhe tem
faltado audácia. Que não lhe faltem
audaciosos.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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