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ELIANE CANTANHÊDE
Desarmando os espíritos
BRASÍLIA - A receita é a mesma do Estatuto do Desarmamento: o Executivo quer, convence as Forças Armadas, convoca o Legislativo a dividir as
responsabilidades, pegam-se os projetos sobre o tema, põe-se uma pitada
de pressão da opinião pública e está
pronto para ser servido.
É assim que Lula está armando a
mudança do decreto de FHC sobre
documentos sigilosos e preparando a
abertura lenta e gradual dos arquivos sobre a ditadura militar no Brasil. É por isso que as reuniões ocorrem
em três palcos distintos: o militar, o
congressual e o Planalto.
Como ontem, por exemplo. O presidente da Câmara, João Paulo Cunha,
recebeu o ministro José Viegas (Defesa) para um café da manhã e o comandante do Exército, general Francisco Albuquerque, para um café da
tarde. É o Legislativo entrando na roda, para dar respaldo político a uma
decisão que Lula já tomou.
Enquanto isso, cinco ministros foram chamados a discutir a questão
com José Dirceu no Planalto. Concluíram que a comissão da guerrilha
do Araguaia não achou covas e ossos.
E deixaram documentos: pedidos para a abertura dos arquivos, projetos
que tratam de questões afins, legislações de outros países e -o que é mais
sensível- a reação de Marinha,
Exército e Aeronáutica.
O Exército jura que, além de osso,
também não há um só documento
inteiro sobre a guerrilha do Araguaia, e a Aeronáutica garante que
praticamente não há mais registros
de prisões e torturas do regime militar. Os do Araguaia teriam sido incinerados com suporte legal. Os da Aeronáutica, que pena, naquele incêndio de alguns anos atrás no aeroporto Santos Dumont, no Rio. Toneladas e toneladas de papel e de história
viraram cinzas.
Conclui-se, pois, que a receita de
Lula para a abertura é boa, mas alguns ingredientes serão bem difíceis
de obter no mercado militar. No caso
do desarmamento, o Exército chegou
a trabalhar contra e acabou aderindo. É o que Lula, Dirceu, Viegas, João
Paulo se esforçam para conseguir
agora, por bem.
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