São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2007

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Eleição na Argentina

Desafio de Cristina Kirchner, provável eleita, será lidar com armadilhas populistas legadas pela gestão de seu marido

OS ARGENTINOS vão hoje às urnas para escolher o sucessor do presidente Néstor Kirchner. A menos que as pesquisas estejam muito erradas, Cristina Fernández de Kirchner, mulher do atual mandatário, será eleita já no primeiro turno.
Nos Estados Unidos e na Europa, comparam-na a Hillary Clinton; no Brasil, o paralelo é com Rosinha Garotinho; na Argentina, a própria Cristina costuma evocar Evita Perón. A verdade, porém, é que todas essas comparações ignoram o fato de que a candidata tinha brilho próprio na política antes de o marido chegar à Presidência. Ela já era uma senadora de projeção nacional enquanto ele desempenhava as funções de governador de Santa Cruz, na Patagônia.
O pleito tem sido marcado pela apatia. Pesquisa do instituto Poliarquia revela que 72,8% dos argentinos dizem interessar-se pouco ou nada por política. Tal atitude contrasta com a ebulição das campanhas anteriores e com a violência dos protestos populares que depuseram Fernando de la Rúa, o antecessor de Kirchner, no auge da crise de 2001.
O fenômeno se deve em parte à normalização institucional. Esta é a sexta eleição presidencial desde a redemocratização do país, em 1983. Deve-se também à virtual destruição do sistema partidário argentino. Quando a população defenestrou De la Rúa, atirou junto pela janela sua agremiação, a União Cívica Radical, que historicamente fazia contraponto ao Partido Justicialista (peronista) dos Kirchner.
Hoje é como se Cristina disputasse sozinha. Quem aparece num distante segundo lugar é Elisa Carrió, que concorre por uma legenda que detém apenas 6,6% da Câmara.
Mas não é só a ausência de concorrentes que faz de Cristina Kirchner a franca favorita. Ela se apresenta como a continuidade -de papel passado em cartório- de um governo que tem trunfos a exibir. Néstor Kirchner apanhou uma economia que havia encolhido 15% entre 1999 e 2002 e a viu crescer a taxas superiores a 8% anuais. O desemprego, que experimentara um pico de 21% em 2001, está agora em 10%.
A administração contribuiu para a bonança no limite da irresponsabilidade. Bem ao estilo peronista, adotou o caminho do populismo econômico. Congelou preços e tarifas. A energia custa 60% da média dos países vizinhos. O gás barato, aliado a um inverno rigoroso, produziu apagões, mas o governo conseguiu evitar um racionamento generalizado que poderia ter ameaçado a candidatura de Cristina.
O controle de preços não evitou episódios localizados de desabastecimento nem a alta da inflação. Os preços subiram tanto que o governo passou a manipular o índice. A taxa oficial do Indec aponta para 8% em 2007, mas consultorias privadas calculam cifras de até 22%.
Os argentinos percebem no bolso o ardil. Também desconfiam de que o próprio Kirchner já prepara um pacote de medidas impopulares, a ser adotado logo depois do pleito. Resta saber como o governo de Cristina Kirchner vai lidar com as armadilhas legadas pelo marido.


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