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Eleição na Argentina
Desafio de Cristina Kirchner, provável eleita, será lidar com armadilhas populistas legadas pela gestão de seu marido
OS ARGENTINOS vão hoje
às urnas para escolher
o sucessor do presidente Néstor Kirchner. A menos que as pesquisas
estejam muito erradas, Cristina
Fernández de Kirchner, mulher
do atual mandatário, será eleita
já no primeiro turno.
Nos Estados Unidos e na Europa, comparam-na a Hillary Clinton; no Brasil, o paralelo é com
Rosinha Garotinho; na Argentina, a própria Cristina costuma
evocar Evita Perón. A verdade,
porém, é que todas essas comparações ignoram o fato de que a
candidata tinha brilho próprio
na política antes de o marido
chegar à Presidência. Ela já era
uma senadora de projeção nacional enquanto ele desempenhava
as funções de governador de
Santa Cruz, na Patagônia.
O pleito tem sido marcado pela
apatia. Pesquisa do instituto Poliarquia revela que 72,8% dos argentinos dizem interessar-se
pouco ou nada por política. Tal
atitude contrasta com a ebulição
das campanhas anteriores e com
a violência dos protestos populares que depuseram Fernando de
la Rúa, o antecessor de Kirchner,
no auge da crise de 2001.
O fenômeno se deve em parte à
normalização institucional. Esta
é a sexta eleição presidencial
desde a redemocratização do
país, em 1983. Deve-se também à
virtual destruição do sistema
partidário argentino. Quando a
população defenestrou De la
Rúa, atirou junto pela janela sua
agremiação, a União Cívica Radical, que historicamente fazia
contraponto ao Partido Justicialista (peronista) dos Kirchner.
Hoje é como se Cristina disputasse sozinha. Quem aparece
num distante segundo lugar é
Elisa Carrió, que concorre por
uma legenda que detém apenas
6,6% da Câmara.
Mas não é só a ausência de concorrentes que faz de Cristina
Kirchner a franca favorita. Ela se
apresenta como a continuidade
-de papel passado em cartório-
de um governo que tem trunfos a
exibir. Néstor Kirchner apanhou
uma economia que havia encolhido 15% entre 1999 e 2002 e a
viu crescer a taxas superiores a
8% anuais. O desemprego, que
experimentara um pico de 21%
em 2001, está agora em 10%.
A administração contribuiu
para a bonança no limite da irresponsabilidade. Bem ao estilo
peronista, adotou o caminho do
populismo econômico. Congelou preços e tarifas. A energia
custa 60% da média dos países
vizinhos. O gás barato, aliado a
um inverno rigoroso, produziu
apagões, mas o governo conseguiu evitar um racionamento generalizado que poderia ter ameaçado a candidatura de Cristina.
O controle de preços não evitou episódios localizados de desabastecimento nem a alta da inflação. Os preços subiram tanto
que o governo passou a manipular o índice. A taxa oficial do Indec aponta para 8% em 2007,
mas consultorias privadas calculam cifras de até 22%.
Os argentinos percebem no
bolso o ardil. Também desconfiam de que o próprio Kirchner
já prepara um pacote de medidas
impopulares, a ser adotado logo
depois do pleito. Resta saber como o governo de Cristina Kirchner vai lidar com as armadilhas
legadas pelo marido.
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