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São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 2003

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CLÓVIS ROSSI

A eterna insolência

SÃO PAULO - No discurso com que se despediu do Congresso, em 1999, Roberto de Oliveira Campos, talvez o maior ícone da direita brasileira, contou que Tancredo Neves, ao ser designado primeiro-ministro em 1961, pediu-lhe um programa de governo, que deveria ser elaborado em apenas duas semanas.
Campos, Bulhões Pedreira e Mário Henrique Simonsen fizeram então o que chamaram de "programa das tesouras", porque recortaram "textos antigos que tinham permanecido insolentemente atuais", o que, para Campos, demonstraria a incapacidade brasileira de "transformar crises em oportunidades, aspirações em realidades".
Ficaria parecendo apenas a exibição da mortal ironia de Campos, morto dois anos depois, não fosse a releitura do notável discurso do mesmo Tancredo Neves, agora como presidente eleito da República, em janeiro de 1985 (ambos os textos fazem parte de "100 Discursos Históricos Brasileiros", compilados por Carlos Figueiredo, Editora Leitura).
O discurso de Tancredo é um texto "insolentemente atual".
Diz, por exemplo, que "não teremos a pátria que Deus nos destinou enquanto não formos capazes de fazer de cada brasileiro um cidadão, com plena consciência dessa dignidade".
Diz, como diriam depois todos os seus sucessores: "Venho para realizar urgentes e corajosas mudanças políticas, sociais e econômicas indispensáveis ao bem-estar do povo".
Diz, como se fosse Luiz Inácio Lula da Silva: "Retomar o crescimento é criar empregos. Enquanto houver, neste país, um só homem sem trabalho, sem pão, sem teto e sem letras, toda a prosperidade será falsa".
A favor de Tancredo, convém lembrar que morreu antes de assumir de fato a Presidência. Seus antecessores criaram o que ele batizou de "prosperidade falsa", se é que criaram prosperidade. Seus sucessores, que pena, continuam fazendo com que o discurso de Tancredo seja "insolentemente atual".



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