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O real cenográfico
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Li nas folhas que 1
bilhão e 200 milhões de dólares saíram
do país em novembro. As reservas, que
há pouco eram de quase 80 bilhões de
dólares, já baixaram para 20 bilhões.
Lembro que alguém do governo garantiu que a queda em nossas reservas
se deteria nos 40 bilhões. Esse seria o
nível de segurança, abaixo disso seria
o caos.
O salvador da pátria foi reeleito
tranquilamente em outubro, nem por
isso nossa situação melhorou. Pelo
contrário. Com reservas em nível tão
baixo, mais os déficits da balança comercial, o déficit fiscal, o real cenográfico equiparado ao dólar -este é o
país que está sendo salvo pelo sr. FHC
e sua brilhante equipe de técnicos.
Falei acima em "dólar cenográfico"
e explico. Em teatro, os cenários e tudo
o que compõe determinada cena são
produtos de um departamento cenográfico. Ele cria os perus que vão para
os banquetes, perus suntuosos, mas
feitos de matéria plástica ou fibra de
vidro. O uísque servido nas festas é
mate.
O dinheiro que a mocinha rasga, repelindo a indecorosa proposta do coronel, é impresso na tipografia da esquina. Num dos lados, por imposição
da lei, há um aviso dizendo que aquilo
não é dinheiro de verdade.
O real que está sendo impresso em
nossa Casa da Moeda e tem as nobres
assinaturas de nossas autoridades fazendárias é um dinheiro cenográfico.
Só tem valor nos limites geográficos do
palco onde se apresenta a peça que já
pode ser considerada uma farsa.
A cada dia que passa, tanto no governo como os colunistas deslumbrados garantem que o Brasil nunca esteve tão bem, tão pulcro e alacre.
O combate à inflação não é uma
conquista permanente, sobretudo
quando é fruto de truques de contabilidade e de cédulas cenográficas. Com
crescimento zero para o próximo ano,
com o drama social cujo rosto mais
visível é o desemprego, o Brasil das
alegres comadres do Planalto está caminhando para o brejo.
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