São Paulo, Sábado, 29 de Janeiro de 2000


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NÃO
Um filme que não nos agradou

ANTONIO MARSIGLIA NETTO

A Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes) é contra a privatização do saneamento básico. Partimos da avaliação do nível de atendimento da população brasileira. Segundo nosso levantamento, o abastecimento de água atende a 72% do total da população do país (91% da urbana). O esgotamento sanitário, por sua vez, atende a 31% do total da população (39% da urbana).
A população não atendida situa-se nas regiões mais pobres do país (Norte e Nordeste), em municípios pobres de população pequena, nas periferias dos municípios grandes e médios e na área rural.
A questão envolve, portanto, a população mais pobre do país. Isso significa que o investimento necessário à universalização dos serviços seria destinado a atender a população de menor capacidade de pagamento. Ou seja, de retorno econômico insuficiente para a iniciativa privada.
As características principais dos serviços de saneamento são:
a) trata-se de um monopólio natural que, segundo o professor Paul Singer, apresenta uma peculiaridade: "Representa um bem público como ingrediente essencial da saúde pública. Se a comunidade quiser se proteger de doenças transmissíveis, é necessário que todos os seus membros tenham acesso ao saneamento, independentemente de sua capacidade ou disposição de pagar o custo desses serviços";
b) apresenta características externas importantes relacionadas à saúde pública e ao meio ambiente;
c) oferece um produto (água potável) de disponibilidade regionalmente limitada e de consumo obrigatoriamente universalizado. Ainda segundo o professor Paul Singer: "O que contradiz a regra básica do mercado, a vigência da lei da oferta e da procura". O economista diz ainda: "Não dá para entregar monopólios naturais à iniciativa privada";
d) requer investimentos altos com retorno de longo prazo e com taxas não superiores a 12% ao ano. Na verdade, como o investimento é elevado, sua amortização em prazos menores tornaria as tarifas insuportáveis à sociedade em geral;
e) os benefícios sociais são maiores do que os financeiros. De fato, a promoção da salubridade ambiental é condição básica para a promoção social. O trabalhador doente ou não é produtivo ou é desempregado;
f) seus ativos operacionais são indisponíveis. Em tese, pertencem à sociedade. Não podem ser transferidos de local porque são indispensáveis à continuação permanente da prestação dos serviços à população;
g) a entidade operadora dos serviços não pode interrompê-los, reduzindo ou paralisando as atividades por motivo de concordata ou falência. Isso não se coaduna, em tese, com a idéia de passá-los à iniciativa privada.
Essas características peculiares do setor de saneamento são os argumentos que contrariam a gestão privada do setor. É interessante citar que nos países desenvolvidos, com exceção da França e da Inglaterra, os serviços de abastecimento de água e saneamento são, em geral, públicos.
É preciso ainda acabar com a prática do loteamento político dos cargos diretivos para que melhore o desempenho das companhias estaduais.
No passado o Estado valeu-se do concurso de empresas privadas, principalmente internacionais, no caso dos serviços públicos, inclusive saneamento. Praticamente a totalidade dessas concessionárias privadas foram retomadas pelo Estado sob as seguintes alegações:
a) queda na qualidade de prestação dos serviços;
b) falta de capacidade de investimento em decorrência da redução de rentabilidade face ao contingenciamento dos valores tarifários;
c) desinteresse de outros empreendedores privados em assumir as concessões.
Esperamos que não estejamos frente a um movimento pendular e tenhamos de assistir novamente a um filme que não nos agradou.


Antonio Marsiglia Netto, 64, engenheiro, é presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental e vice-presidente metropolitano da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo).




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