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NÃO
Um filme que não nos agradou
ANTONIO MARSIGLIA NETTO
A Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes) é
contra a privatização do saneamento
básico. Partimos da avaliação do nível
de atendimento da população brasileira. Segundo nosso levantamento, o
abastecimento de água atende a 72%
do total da população do país (91% da
urbana). O esgotamento sanitário,
por sua vez, atende a 31% do total da
população (39% da urbana).
A população não atendida situa-se
nas regiões mais pobres do país (Norte e Nordeste), em municípios pobres
de população pequena, nas periferias
dos municípios grandes e médios e na
área rural.
A questão envolve, portanto, a população mais pobre do país. Isso significa que o investimento necessário à
universalização dos serviços seria destinado a atender a população de menor capacidade de pagamento. Ou seja, de retorno econômico insuficiente
para a iniciativa privada.
As características principais dos serviços de saneamento são:
a) trata-se de um monopólio natural
que, segundo o professor Paul Singer,
apresenta uma peculiaridade: "Representa um bem público como ingrediente essencial da saúde pública. Se a
comunidade quiser se proteger de
doenças transmissíveis, é necessário
que todos os seus membros tenham
acesso ao saneamento, independentemente de sua capacidade ou disposição de pagar o custo desses serviços";
b) apresenta características externas
importantes relacionadas à saúde pública e ao meio ambiente;
c) oferece um produto (água potável) de disponibilidade regionalmente
limitada e de consumo obrigatoriamente universalizado. Ainda segundo
o professor Paul Singer: "O que contradiz a regra básica do mercado, a vigência da lei da oferta e da procura". O
economista diz ainda: "Não dá para
entregar monopólios naturais à iniciativa privada";
d) requer investimentos altos com
retorno de longo prazo e com taxas
não superiores a 12% ao ano. Na verdade, como o investimento é elevado,
sua amortização em prazos menores
tornaria as tarifas insuportáveis à sociedade em geral;
e) os benefícios sociais são maiores
do que os financeiros. De fato, a promoção da salubridade ambiental é
condição básica para a promoção social. O trabalhador doente ou não é
produtivo ou é desempregado;
f) seus ativos operacionais são indisponíveis. Em tese, pertencem à sociedade. Não podem ser transferidos de
local porque são indispensáveis à continuação permanente da prestação
dos serviços à população;
g) a entidade operadora dos serviços
não pode interrompê-los, reduzindo
ou paralisando as atividades por motivo de concordata ou falência. Isso
não se coaduna, em tese, com a idéia
de passá-los à iniciativa privada.
Essas características peculiares do
setor de saneamento são os argumentos que contrariam a gestão privada
do setor. É interessante citar que nos
países desenvolvidos, com exceção da
França e da Inglaterra, os serviços de
abastecimento de água e saneamento
são, em geral, públicos.
É preciso ainda acabar com a prática
do loteamento político dos cargos diretivos para que melhore o desempenho das companhias estaduais.
No passado o Estado valeu-se do
concurso de empresas privadas, principalmente internacionais, no caso
dos serviços públicos, inclusive saneamento. Praticamente a totalidade dessas concessionárias privadas foram
retomadas pelo Estado sob as seguintes alegações:
a) queda na qualidade de prestação
dos serviços;
b) falta de capacidade de investimento em decorrência da redução de
rentabilidade face ao contingenciamento dos valores tarifários;
c) desinteresse de outros empreendedores privados em assumir as concessões.
Esperamos que não estejamos frente
a um movimento pendular e tenhamos de assistir novamente a um filme
que não nos agradou.
Antonio Marsiglia Netto, 64, engenheiro, é presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental e vice-presidente metropolitano da
Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo).
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