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Asilo companheiro
Apesar do destempero da reação italiana, governo brasileiro errou na concessão de refúgio a terrorista e deveria recuar
A ITÁLIA exagera em suas
reações no caso Cesare
Battisti -condenado
naquele país à prisão
perpétua por quatro homicídios.
Roma convocou o embaixador
no Brasil em protesto contra parecer da Procuradoria brasileira
que pede o arquivamento da
ação para extraditar o italiano.
O pedido do procurador-geral
da República não encerra o caso,
que será decidido na semana que
vem pelo Supremo Tribunal Federal. Mesmo que a corte repita
entendimento anterior e arquive
o processo sem julgar o mérito, o
assunto não justifica a estridência da reação italiana.
É preciso lembrar, contudo,
que o Executivo brasileiro, numa
decisão infeliz, expôs o Brasil,
voluntária e gratuitamente, ao
risco de incidente diplomático.
Ao conceder refúgio político ao
ex-integrante de um grupo terrorista de esquerda, o ministro
da Justiça, Tarso Genro, alegou
"fundado temor de perseguição".
Se a retirada temporária de um
embaixador equivale a protesto
veemente, os argumentos e os
termos empregados por Genro
contra o sistema jurídico e político italiano soam insultuosos,
além de equivocados. Desde a
Carta de 1948, a Itália mantém
um regime democrático consolidado, com Judiciário autônomo
e sistema de recursos e garantias
individuais em pleno vigor.
Nos anos 1970, o país foi protagonista de um raro e exemplar
processo de combate ao golpismo armado: sem desviar-se da
democracia, a Itália enfrentou e
venceu o terror sem causa de facções criminosas como a integrada por Battisti. Os delitos pelos
quais foi condenado ocorreram e
foram julgados, é preciso enfatizar, sob a vigência da democracia
e do devido processo legal.
As ações contra Battisti seguiram todos os trâmites regulares
na Itália. Na França, para onde
fugiu, o italiano recebeu ajuda
temporária da Doutrina Mitterrand, menção ao presidente socialista que se recusava a extraditar ativistas de esquerda condenados em seus países.
Mas essa filosofia do compadrio, incompatível com as relações entre Estados exigidas na
União Europeia, foi depois renegada pelo Executivo e derrubada
pelo Judiciário francês. Se não tivesse escapado novamente -para depois alojar-se no Brasil-,
Battisti teria sido extraditado da
França para a Itália em 2005.
Um ano depois, a Corte Europeia de Direitos Humanos, que
tem poder de intervir nos Judiciários do bloco em casos de violação de garantias fundamentais,
rejeitou recurso de Battisti, que
alegava cerceamento de defesa.
Na decisão dessa corte foram negados argumentos cruciais que
Battisti e seus amigos continuam
esgrimindo na mídia brasileira.
Sobre a alegação de que o julgamento se deu à revelia, responde
o tribunal: "O requerente foi patentemente informado da acusação e do progresso dos trâmites
nas cortes italianas". Sobre a suposta falta de ampla defesa: "Recebeu efetiva assistência durante o processo de diversos advogados por ele especialmente indicados". Sobre o fato de não ter
comparecido aos juízos: "As autoridades italianas e, subsequentemente, as francesas foram autorizadas a concluir que o requerente inequivocamente abriu
mão de seu direito de comparecer e ser julgado em pessoa".
A respeitar os sistemas jurídicos italiano, francês e europeu, o
ministro Genro preferiu agradar
a militância esquerdista incrustada no PT. É espantoso que um
tema de Estado tenha recebido
tratamento tão leviano.
Entende-se que a estridência
da reação italiana dificulte, politicamente, a reavaliação do refúgio concedido. Mas revogar o benefício ainda é a melhor decisão
a ser tomada pelo presidente
Luiz Inácio Lula da Silva.
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