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ANTONIO DELFIM NETTO
Duplo estelionato eleitoral
O último surto de desenvolvimento brasileiro ocorreu no governo Itamar Franco (1993/94), quando crescemos 5,4% ao ano, com equilíbrio externo. A carga tributária bruta
era de 27% do PIB, e a dívida líquida
do setor público, 31% -graças ao vigoroso superávit primário de 3,7% ao
ano, em média, no período. As reservas internacionais eram de US$ 40 bilhões, correspondentes a um ano de
importação.
Restava um problema grave: a imensa taxa de inflação, da ordem de
1.700% ao ano. Depois de uma tentativa fracassada (Plano Cruzado), os
mesmos economistas produziram um
programa realmente admirável, o Plano Real. Criou-se uma moeda que se
autocorrigia, a URV (Unidade Real de
Valor). Todos os preços foram liberados e congelou-se a distribuição de
renda mais ou menos no nível da disputa que se equilibrava em 1.700% de
inflação. Mimetizou-se, assim, uma
hiperinflação sem que o país tivesse
que sofrê-la. Quando os preços relativos se ajustaram à distribuição de renda (congelada) num nível onde seria
pequena a disputa distributiva, bastou
repetir o que se fez na Europa depois
da Primeira Guerra Mundial: pendurar o equilíbrio durante algum tempo
numa taxa de câmbio fortemente administrada até que todos os novos
preços relativos e as remunerações se
acomodassem.
O Plano Real foi um enorme sucesso
no combate à inflação. Quais eram,
entretanto, as condições de permanência do sucesso? A construção do
absoluto equilíbrio fiscal com corte de
despesas e sem aumento excessivo da
carga tributária e do endividamento
líquido/PIB. Sem isso, era claro que o
custo de reduzir a inflação seria a permanente estagnação, porque a sustentação da taxa de câmbio valorizada
exigiria uma enorme taxa de juro real.
FHC surfou sobre o Plano Real. Elegeu-se. Imediatamente procurou,
com métodos absolutamente heterodoxos, a sua reeleição sem desincompatibilização, o que seria o segundo
"estelionato eleitoral". O primeiro residiu no fato que, uma vez eleito, esqueceu a condição essencial: o equilíbrio fiscal. Elevou para 29% a carga
tributária bruta e aumentou de 31%
para 49% do PIB o endividamento.
Não fez o menor esforço para controlar as despesas, reduzindo o superávit
primário a zero no primeiro quatriênio. Em apenas quatro anos, acumulamos um déficit em conta corrente da
ordem de US$ 100 bilhões! O resultado final foi trágico. Em 1998 (às vésperas da reeleição), o Brasil "quebrou":
tivemos de ir correndo ao FMI e, com
o chapéu na mão, pedir um socorro de
US$ 40 bilhões!
No segundo mandato, as coisas foram um pouco melhores, porque o
FMI exigiu um esforço fiscal. Este foi
espertamente contornado por FHC,
que descarregou o problema sobre o
setor privado, aumentando a carga
tributária bruta para 32% já em 1999.
Puxado pelo nariz, o governo perdeu
o controle do câmbio para o "mercado". Instalou-se depois uma nova e
melhor política monetária. Mas o fim
foi melancólico. Terminamos 2002
com uma inflação de 12,5% e um crescimento de 1,9%. Acumulamos mais
US$ 80 bilhões de déficit em conta
corrente. Com reservas de US$ 16 bilhões, e o Brasil "quebrado" pela segunda vez, tivemos de voltar ao FMI...
O problema da inflação acabou mal
resolvido na octaetéride fernandista
pela sua indisposição de fazer as reformas microeconômicas. Em compensação, deixou dois problemas robustos que têm inviabilizado o crescimento econômico: uma carga tributária bruta de 36% e uma dívida líquida/PIB de 56%...
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
@ - dep.delfimnetto@camara.gov.br
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