|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RUY CASTRO
Conspiração pró-mosquito
RIO DE JANEIRO - Nelson Rodrigues, quando queria se referir a
algo do interesse de um vasto contingente humano, dizia que a coisa
atingia "do presidente da República
ao mata-mosquito". Nenhum desprezo de Nelson pelo mata-mosquito. Talvez ele visse nesta a mais humilde das profissões, ou a menos
reconhecida -afinal, quem enxergaria algum heroísmo no ato de localizar e exterminar ovos, larvas ou
insetos?
Perguntei à minha funcionária
quando tinha sido a última vez que
um mata-mosquito viera examinar
nossos ralos, vasos de plantas ou
improváveis bromélias. Ela disse
que fora há tanto tempo -muitos
anos- que já nem se lembrava. Mas
sabia muito bem quando esse bravo
funcionário visitara a casa dela,
perto do morro da Conceição, no
Centro da cidade: "Nunca".
Dos anos 90 para cá, houve uma
conspiração a favor do mosquito.
Para alguns, começou com a demissão em massa dos mata-mosquitos
pelo então ministro da Saúde, José
Serra, no governo FHC; continuou
com a política do governo Lula, de
garantir verbas que só chegam pela
metade e de deixar decair hospitais
que já estiveram entre os melhores
da América Latina; e completou-se
com o uso avaro, pelos governos do
Estado e do município, do pouco dinheiro que recebem.
A troca de acusações com fundo
político e a transferência de responsabilidades continuam. Mas a
discussão sobre se a culpa pela volta
do mosquito é federal, estadual ou
municipal não tem mais sentido.
Para a população, qualquer picada
suspeita já virá com carimbo triplo.
Um curioso efeito colateral do
surto de dengue é que, com a onipresença do Aedes nos jornais e na
televisão, os tiroteios e balas perdidas sumiram do noticiário. Os traficantes e a polícia devem estar encafuados em seus barracos e quartéis,
com medo do mosquito.
Texto Anterior: Brasília - Melchiades Filho: Ser mãe é... Próximo Texto: Renata Lo Prete: "Pós-Lula", só em 2011 Índice
|