São Paulo, segunda-feira, 29 de abril de 2002

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BORIS FAUSTO

A extrema direita francesa

O inquietante avanço da extrema direita francesa, no primeiro turno das eleições presidenciais, pode ser melhor entendido se lembrarmos alguns dados da história política do país.
Tradicionalmente, fixou-se uma imagem dominante dessa história. As idéias liberais que floresceram nas últimas décadas do século 18 e, principalmente, a Revolução Francesa de 1789 fizeram com que a história da França dos dois últimos séculos fosse associada aos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Não por acaso, monarquias absolutistas na Europa e em suas colônias reprimiram movimentos sociais e pessoas que expressavam as perigosas "idéias francesas".
Mas há outra vertente na história política da França, resultante, entre outras razões, do impacto provocado pela revolução, em que não só velhos princípios como também muitas cabeças rolaram. Essa vertente tem como um de seus ramos o extremismo nacionalista, racista e antidemocrático, cuja ressonância popular nunca foi desprezível, desde seus primeiros tempos, nos últimos anos do século 19.
A partir dos anos 30 do século passado, a extrema direita coloriu-se com tintas fascistas, enquadrando-se em organizações como o Partido Popular Francês, de Jacques Doriot, as diferentes Ligas Revolucionárias, a Ação Francesa, de Charles Maurras, que vinha do início do século. Sua ação não é estranha à derrota da França diante do nazismo na Segunda Guerra Mundial e tem muito a ver com a França de Vichy, do marechal Pétain a Pierre Laval, dos colaboracionistas que realizaram tarefas racistas repressivas, com um zelo ditado por profundas convicções ideológicas.
Le Pen e a Frente Nacional recolheram essa herança, adaptando sua fraseologia e suas intenções aos novos tempos. Nacionalista, Le Pen ataca a União Européia e apela ao ressurgimento de uma França vítima da modernização -a França das profissões e das indústrias tradicionais, em vias de desaparecimento. Racista, o líder da extrema direita encontra um terreno fértil na associação dos judeus e dos imigrantes -especialmente os árabes- à idéia de desaparição de uma França mítica, em que cada cidadão francês, supostamente, tinha uma atividade estável e um lugar ao sol.
Como diz Nicolas Weill ("Le Monde", 25/4/02), o discurso de Le Pen revela uma concepção naturalista, ou mesmo biológica da sociedade, em que a filiação conta mais do que a competência, como demonstra a insistência no tema da "preferência nacional" ao emprego. Revela também uma visão de decadência do país, ameaçado de morte pelo sangue impuro e pela ação conspiratória dos lobbies, a serviço do grande capital, o que rende bons dividendos entre gente deslocada social e psicologicamente.
Essas breves indicações servem para lembrar que a extrema direita tem raízes na história da França e que sua atração populista não pode ser desprezada. Se algum mérito teve o êxito da Frente Nacional, foi o de ter despertado a consciência majoritária da França republicana e democrática. Oxalá essa consciência se mantenha viva e atuante, depois que o grande susto tiver passado.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.

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