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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Duas ilusões ruinosas
O Brasil precisa crescer. Tudo o
mais, em matéria de economia, é
secundário. Serve apenas para desviar
o foco do verdadeiro problema. Duas
ilusões empobrecedoras, porém,
preenchem o espaço do debate nacional a respeito da retomada do crescimento: o fiscalismo e o mercantilismo. Tratemos de dissipá-las. Tarefa
delicada porque cada uma delas é vizinha de proposições acertadas.
O fiscalismo, a economia política
dos rendidos, é a aceitação integral da
cartilha dos mercados financeiros:
não só austeridade fiscal mas também
tudo o que coloque o governo de
mãos atadas diante do capital financeiro, a começar pela renúncia a políticas anticíclicas, bem como ao aproveitamento máximo do poder de barganha do governo na política de juros. O
objetivo da autonomia do Banco Central é institucionalizar essa abdicação.
Foi para o mesmo fim que serviu, em
outra época, o lastreamento da moeda
em ouro. O prêmio seria a confiança
dos endinheirados, dentro e fora do
país, e, portanto, a expansão do investimento. O fiscalismo exprime descrença na capacidade de um Estado
nacional periférico, como o nosso, de
traçar políticas de desenvolvimento
que contemplem o imperativo da confiança financeira sem se render a ele.
Parece ser apenas realismo fiscal, mas
não é. De fato, precisamos temporariamente de superávits fiscais, não para agradar aos interesses financeiros,
mas para poder, em seguida, enquadrá-los. Resgatemos do fiscalismo só o
que for útil para inverter-lhe os objetivos, desatando as mãos do governo e
dos produtores. Joguemos o resto fora.
Contra o fiscalismo levanta-se, entre
nós, o mercantilismo: tudo pela exportação, para poder superar o constrangimento externo ao crescimento.
O primeiro equívoco é de conjuntura
internacional: não seria possível escolher hora pior para iniciar ciclo de
crescimento baseado em exportações.
O segundo erro é de país: o Brasil está
imprensado entre economias de trabalho barato e economias de alto saber. Por isso produz pouco do que o
mundo queira comprar. Só sairá dessa
prensa por meio de revolução produtiva, baseada em novo regime de coordenação entre políticas públicas e iniciativa privada e em democratização
de oportunidades econômicas e educativas. O terceiro engano é de teoria:
se o mercantilismo tivesse razão, o jeito seria afundar os navios que nos trazem importações. O mercantilismo
aproveita e distorce compromisso legítimo: aumentar a integração da economia brasileira no mundo em termos que convenham a nossa estratégia nacional. A tarefa, porém, não é
exportar; é produzir mais e melhor,
dando a dezenas de milhões de brasileiros desequipados condições para
participar do esforço produtivo e para
consumir-lhe os produtos. O aumento das exportações virá de quebra.
A julgar pela discussão brasileira, os
fiscalistas e os mercantilistas são inimigos mortais. Que nada. Apesar de
divergirem a respeito da melhor maneira de administrar a flutuação do
câmbio, são parceiros na desorientação e na ruína do país. Tanto assim
que o destino do atual governo, como
foi o de seu antecessor, é combinar o
projeto dos rentistas com o projeto
dos caixeiros-viajantes.
Contra isso, precisamos de luz e de
calor. Luz para demarcar o itinerário
de um produtivismo democratizante.
Calor para reunir os interessados em
trabalhar e em produzir que acabarão
por derrubar, na próxima etapa da
política nacional, a ditadura do dinheiro e da ilusão.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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