São Paulo, quinta-feira, 29 de abril de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Canteiro de obras

RIO DE JANEIRO - Melancólica, para não dizer ridícula, a ida a Brasília dos governadores de vários partidos e procedências para convencer o governo federal a liberar recursos para investimentos e obras. A tradicional desculpa da União sempre foi a da falta de dinheiro. Desta vez, nem houve desculpa. Há dinheiro em caixa, mas destinado a pagar dívidas internacionais que nunca serão pagas integralmente. E para obter do FMI os elogios de que tanto a equipe econômica do atual governo se orgulha.
Voltaram todos de mãos vazias, o Planalto acionou seus meios de pressão, nem foi preciso convencer ninguém, o trator da chamada "base de sustentação" passou por cima de argumentos que, uns pelos outros, seriam indestrutíveis. Estados e municípios precisam crescer ao menos vegetativamente, mesmo sem o espetáculo prometido pelo presidente da República.
Até agora, com quase ano e meio de poder, o governo continua gastando tempo e energia para armar uma estrutura de sustentação política que passa ao largo das necessidades da administração pública. A cada lance de bastidor entre os líderes da base, mudam-se ministros e dirigentes de estatais, demite-se a pedidos ou sem pedidos, não importa se a troca é boa ou má, importa é saciar a fome dos partidos que se habilitam ao prato de lentilhas fornecido pelo Planalto.
O PT aprendeu que sozinho não pode fazer nada além de assembléias em vários níveis e propósitos. Paga o preço de suas recentes alianças, desde que não atrapalhem a eterna vocação pelo discurso, a predominância de alas, a exaustiva análise de como tomar o poder e o que fazer dele.
Por força dessas alianças, as mais extravagantes, o partido continua arrumando os quadros do governo, arrumação que nunca fica realmente arrumada. A cada necessidade da sua base, o governo ameaça governar. Seu maior canteiro de obras é o "Diário Oficial" da União.


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